sexta-feira, 14 de junho de 2019

ENSINOS SEGUNDO CRISTO

O que a Bíblia diz de Deus


O paradoxo de Epicuro tem por base três atributos da divindade, os quais são:
onipotência,
onisciência 
onibenevolência (benevolência ilimitada)

Onipotência

Os teóricos designam onipotência ou ‘omnipotência’ (português europeu) um atributo exclusivo (incomunicável) da natureza de Deus por ser capaz de fazer tudo.
A Bíblia apresenta Deus como auto suficiente, ou seja, Aquele que não depende de ninguém. Ela também descreve Deus como Aquele que através da palavra do seu poder trouxe à existência todas as coisas, quer sejam visíveis ou invisíveis: 
“Pela palavra do SENHOR foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito da sua boca” ( Sl 33:6 ; Cl 1:16 ; Hb 11:3 ).
Com relação ao evento da criação Deus criou céus e terra, e segundo o que Ele disse por intermédio do profeta Isaías, criará novos céus e nova terra ( Is 65:17 e 22). Ou seja, Deus não dependeu de ninguém para trazer à existência todas as coisas e não dependerá de ninguém para trazer a existência novos céus e nova terra.
Ora, a Bíblia apresenta Deus como Todo-poderoso, mas isto não implica em dizer que Ele faz tudo! A Bíblia é clara:
  • Deus não pode mentir “Em esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos dos séculos” (Tt 1:2);
  • “Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa; porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria?” ( Nm 23:19 );
  • Deus não pode negar a si mesmo – “Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo” ( 2Tm 2:13 );
  • Deus não pode mudar – “Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” ( Tg 1:17 ); 
  • “Porque eu, o SENHOR, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos” ( Ml 3:6 );
  • Deus não pode deixar de existir “Não és tu desde a eternidade, ó SENHOR meu Deus, meu Santo? Nós não morreremos. Ó SENHOR, para juízo o puseste, e tu, ó Rocha, o fundaste para castigar” ( Hc 1:12 );
  • Deus não pode fazer acepção de pessoas “E, abrindo Pedro a boca, disse: Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas” ( At 10:34 );
  • Deus não pode perverter o juízo “Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti. Não faria justiça o Juiz de toda a terra?” ( Gn 18:25 );
  • Deus não pode ter o culpado por inocente e vice versa “O SENHOR é tardio em irar-se, mas grande em poder, e ao culpado não tem por inocente; o SENHOR tem o seu caminho na tormenta e na tempestade, e as nuvens são o pó dos seus pés” ( Nm 1:3 ).
Estas impossibilidades elencadas referem aos atributos ditos comunicáveis e incomunicáveis de Deus.
Para analisar o paradoxo aventado por Epicuro entre os atributos de Deus, primeiro é imprescindível entender o termo ‘onipotência’ do ponto de vista filosófico.
Para Epicuro um ser onipotente é aquele que detém todo poder para realizar tudo o que quiser. No entanto, o entrave tem início quando Epicuro faz especulações sobre o que Deus quer. Por entender que Deus deixou de fazer o que se especulou acerca da onibenevolência de Deus, o filósofo concluiu equivocadamente que Deus não detém todo poder.
Ora, este pensamento tem por base uma lógica simplista visto que Deus pode realizar o que deseja, e não o que o homem especula ser o desejo de Deus! “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade ( Ef 1:11 ).
O que o homem sabe acerca do desejo de Deus?
Onde o filósofo se informou para declarar que o mal não poderia subsistir sendo Deus onipotente e bondoso?
A vontade de Deus é jamais cometer injustiça, jamais contrariar a sua palavra, continuar imutável, etc., como se lê: “Porque a palavra do SENHOR é reta, e todas as suas obras são fiéis. Ele ama a justiça e o juízo; a terra está cheia da bondade do SENHOR” ( Sl 33:4 -5).
O filósofo se equivoca quando estabelece que ser bom é realizar o que é agradável.
O bom faz o que é reto e justo “Mas o nobre projeta coisas nobres, e por nobres atos persevera” ( Is 32:8 ).
Deus é bom porque providenciou resgate para o homem que ele criou e que se perdeu. É liberal, pois providenciou salvação para todos os homens e tem misericórdia de quem tiver misericórdia, ou seja, daqueles que O amam ( Ex 20:6 e Ex 33:19 ).
Quando a Bíblia apresenta Deus como ‘Todo-poderoso’ está dizendo que Ele pode fazer tudo o que desejar fazer, daí o qualificativo todo-poderoso, portanto, altíssimo, inexpugnável, inatingível, inigualável, de modo que toda a criação subsiste n’Ele pela palavra do seu poder ( At 17:28 ).
Jesus, quando respondeu ao diabo dizendo ‘também está escrito’, deixou-nos um parâmetro seguro de como ler e interpretar as Escrituras, pois há textos que demonstram que Deus é detentor de todo poder ( Sl 62:11 ), portanto, inigualável, no entanto, Deus não tem em si o desejo de atentar contra a sua própria natureza e existência.
Um dos atributos que é próprio a natureza de Deus é a imutabilidade, e qualquer ação de Deus jamais atentará contra a sua imutabilidade, pois se for de maneira diversa, Ele deixará de ser imutável, consequentemente, deixaria de ser Deus.
Não poder mentir é uma fraqueza? Do ponto de vista da natureza humana tal capacidade é tida por virtude. Mas, quando Deus afirma que não pode mentir, significa que o poder de Deus não é infinito?  Não poder mentir seria uma fraqueza? Não poder mentir atenta contra o seu poder? Não!
Esta ‘impossibilidade’ na verdade demonstram a imutabilidade, a fidelidade e a grandeza de Deus!
Com relação ao poder de Deus, vale considerar que após Ele criar todas as coisas, não se cogita que ao final da criação que Ele tenha se enfraquecido ou que tenha ficado menos poderoso. Quando a Bíblia diz que Deus é todo poderoso e imutável, ela demonstra que tudo o que foi criado Deus é poderoso para fazer infinitamente muito mais, e o seu poder permanece inalterado.
Poder criar do nada todas as coisas é uma característica da Onipotência de Deus, e, não mentir é característica de outro atributo d’Ele. Não poder mentir não é falta de poder, antes diz de alguém que tem o poder de garantir a sua palavra, ou seja, faz parte da imutabilidade de Deus.
A questão: Deus onipotente realizaria uma ação que limitaria a sua capacidade de realizar ações? É desta pergunta que surge o aclamado ‘paradoxo da pedra’: “Pode um ser onipotente criar uma pedra que não consiga erguer?”. Qual a resposta bíblica?
Sim! Em termos gerais o ‘livre arbítrio’ é uma ‘pedra’ que limita a ação de Deus, pois embora tenha providenciado salvação para todos os homens por desejar salvar a todos, Ele resignou-se salvar somente os que obedecem à verdade do evangelho “Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade” ( 1Tm 2:4 ; Ex 20:6 e Ex 33:19 ).
É impossível o homem estar em comunhão com Deus a contragosto, pois para estar com Deus é necessário sujeitar-se voluntariamente ao seu mando. Ora, em Deus o homem encontra plena liberdade, condição completamente diferente da ideia de independência “Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” ( 2Co 3:17 ).
Geralmente confunde-se ‘liberdade’ com ‘independência’. A liberdade só é possível entre partes que possuem comunhão, vínculo. Já a independência interrompe qualquer vínculo. Se há comunhão com Deus, há liberdade. Se há independência de Deus, perde-se a liberdade, pois o homem passa a ser prisioneiro do pecado.
Deus tem o poder de praticar todas as ações que não contrarie a sua natureza, que é santa, justa e boa! Deus é fiel à sua palavra e, como prometeu salvar o homem, providenciou salvação poderosa na casa de Davi para que permaneça justo e possa justificar os homens que obedeçam o evangelho.
No quesito salvação não há impossível para Deus! “EIS que a mão do SENHOR não está encolhida, para que não possa salvar; nem agravado o seu ouvido, para não poder ouvir” ( Is 59:1 ).
Porém Deus não salva aqueles que rejeitam a Cristo, não por fraqueza ou impossibilidade n’Ele. Na verdade Deus não salva aquele que rejeita a verdade do evangelho porque seu propósito é salvar os crentes pela loucura da pregação e, como a sua palavra é firme não declara justo o ímpio! “Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação” ( 1Co 1:21 ).
Deus é todo-poderoso conforme declarou Jó: “Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido” ( Jo 42:2 ), um conceito diverso do que os filósofos cunharam no termo ‘onipotente’, o qual remete a uma ideia equivocada da magnitude do poder de Deus.
Deus tudo pode e nenhuns dos seus propósitos podem ser frustrados, o mesmo não pode ser dito da vontade do homem.
A vontade de Caim foi frustrada, pois queria oferecer um sacrifício e agradar a Deus, porém, ele foi rejeitado e a sua oferta também. Deus sabia quem, como e onde ocorreria o primeiro homicídio e alertou Caim, entretanto, Deus não interveio para parar a ação má de Caim.
Vale observar que o assassínio surgiu da ira que Caim alimentou (se inflamou muito) contra seu irmão ( Gn 4:6 ). Deus alertou Caim quanto aos seus sentimentos, mas não interveio, visto que Caim possuía o livre arbítrio com relação as suas ações. E destacar que, se Caim procedesse bem, de igual modo não era aceito por Deus, pois não é através de boas ou más ações que Deus aceita o homem. Caim já nasceu escravo do pecado, ou seja, sob domínio do pecado, e por isso não era aceito e nem a sua oferta. Quando é dito que ‘o pecado jaz porta’, ‘porta’ assume o significado de local onde se exerce domínio.
Para se aproximar de Deus Caim devia crer que Deus é galardoador dos que O buscam, e não que Deus se agrada do homem quando apresenta uma oferta.
Mas, apesar de ser pecador, o desejo (foro íntimo) de Caim pertencia a ele, e não ao pecado, de modo que sobre as suas emoções e desejos devia exercer domínio ( Gn 4:7 ).
Quando foi dado o livre-arbítrio ao homem, Deus resignou-se não intervir nos seus julgamentos internos, mesmo que resultasse no mal.
A especulação dos filósofos acerca da onipotência de Deus vislumbra uma divindade que esteja sujeita aos caprichos do homem.

Bondade

Com relação a ‘bondade’ de Deus, o paradoxo de Epicuro considera somente a bondade de Deus, e se esquece da severidade, como alerta o escritor aos Hebreus: “Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benignidade, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira também tu serás cortado” ( Rm 11:22 ); “Amai ao SENHOR, vós todos que sois seus santos; porque o SENHOR guarda os fiéis e retribui com abundância ao que usa de soberba” ( Sl 31:23 ).
Deus revelou a Moisés a quem Ele destina a sua ‘bondade’: “E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos” ( Êx 20:6 ), e quando interpelado por Moisés para que fosse punido em lugar do povo que havia pecado, Deus respondeu que teria misericórdia de quem Ele tivesse misericórdia, ou seja, dos que O obedecem “Porém ele disse: Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do SENHOR diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer” ( Êx 33:19 ).
Dentre muitos atributos, a Bíblia utiliza o qualificativo ‘bom’ para descrever Deus. Neste sentido Jesus lembrou certo jovem que somente Deus é bom, como se lê: “Jesus lhe disse: Por que me chamas bom? Ninguém há bom, senão um, que é Deus” ( Lc 18:19 ).
O termo hebraico traduzido por ‘bom’ atribuído a Deus teria os significados a seguir?
“טוב / טּוֹב towb tob (to-be) adj. 1. bom (como adjetivo) no sentido mais amplo; 2. usado também como um substantivo, tanto no masculino como no feminino, o singular e plural (bom, uma coisa boa ou boa, um bom homem ou mulher; 3. os bons, os bens ou coisas boas, bons homens ou mulheres), também como um advérbio (bem); [de ‘towb, tob (H2895), “animar, fazer melhor, melhorar, tornar bom”‘] – bonito, melhor, melhor, mais generoso, alegre, à vontade, gracioso, alegre, amável, formoso“Dicionário Strong
Quando utilizado o termo ‘bom’ em nossos dias, a ideia massificada diz do que é bonito, melhor, mais generoso, alegre, à vontade, gracioso, amável, formoso. Poucos se recordam do tom aristocrático que o termo carrega em si, em que o termo ‘bom’ possui o sentido de superior, nobre, bem nascido, etc., em oposição ao inferior, vil, plebeu.
Quando a Bíblia apresenta Deus como ‘bom’, está demonstrando que Ele é superior, contrastando com a condição de suas criaturas alienadas d’Ele, que são descritas como más. Neste sentido Deus é ‘bom’, ‘verdade’, ‘justiça’, ‘luz’, etc., e estas definições não comportam gradação ou dualidade.
Deus é somente bom, ou seja, neste quesito Ele não agrega os dois valores em si: bom e mal. No sentido de Senhor, bom, nobre, etc., não comporta um adjunto adnominal de intensidade como ‘muito bom’, ‘pouco bom’, ‘quase bom’, etc.
Concomitantemente ao fato de Deus ser ‘senhor’, ‘bom’ (agathos), Ele também é conhecedor do bem e do mal, e este dois últimos são entes indissociáveis. Para compreender a natureza do conhecimento do bem e do mal, basta refletir sobre a natureza das ações, pois uma mesma ação pode ser boa ou má “Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal” ( Gn 3:22 ).
Adão como criatura, enquanto em comunhão com Deus era bom, mas após a ofensa ao mandamento de Deus dado no Éden, passou a condição de mau e, concomitantemente, conhecedor do bem e do mal.
É neste quesito ‘condição’ que Jesus designou os seus interlocutores de maus, apesar de fazerem o bem aos seus semelhantes segundo o conhecimento do bem e do mal que dispunham ( Lc 11:13 ). Os homens mesmo sendo maus (inferiores, vis, plebe) sabiam dar aos seus filhos pão em lugar de uma víbora.
Neste sentido, é necessário perceber que a condição de Adão e de todos os seus descendentes é ‘mentira’, contrastando com a natureza de Deus que é verdade “De maneira nenhuma; sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso; como está escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras, E venças quando fores julgado” ( Rm 3:4 ); “Dizia na minha pressa: Todos os homens são mentirosos” ( Sl 116:11 ).
Deus é bom porque é Senhor. Deus é bom porque é soberano. Deus é bom porque é pai. Estas três funções devem ser consideradas funcionalmente, conforme era própria à aristocracia, e não conforme a visão da sociedade de hoje, na qual o termo ‘Senhor’ deixou de ter a implicação de ‘dono’ para um significado amolecido ao longo da história da humanidade, que diz de um simples ‘pronome de tratamento’.
O termo ‘senhor’ na antiguidade marcava o abismo social que havia entre o rei e seus súditos, o pai e o filho, o dono e os escravos. Na aristocracia grega (do grego αριστοκρατία, de άριστος (aristos), melhores; e κράτος (kratos), poder, Estado, ‘poder dos melhores’), os aristocratas eram designados ‘melhores’, ‘bons’, ‘senhores’, ‘distintos’, ‘escolhidos’.
O termo grego traduzido por ‘bom’ é ἀγαθούς (agathos), derivado de outro termo com raiz correspondente: ‘Arete’. O termo ‘arete’ significa perfeição do ponto de vista funcional, ou seja, o termo não possui conotação moral, e tal designação apontava para a condição dos senhores como os ‘bons’.
“… continha em si a conjugação de nobreza e bravura militar (…) quase nunca tem o sentido posterior de ‘bom’, como arete não tem o de virtude moral” Jaeger, Werner, Paideia, A Formação do homem Grego, tradução Artur M. Parreira, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2003. Pág. 27;
“Senhorio e arete estavam inseparavelmente unidos. A raiz da palavra é a mesma: άριστος, superlativo de distinto e escolhido…” Idem, Pág. 26;
“O poeta aconselha a que se evite o trato com os maus (kakoi), em que o poeta engloba todos os que não pertencem a uma estirpe nobre; por outro lado, também, nobres (agathos) só se acham entre seus iguais” Idem, pág. 244.
“… que significam exatamente, do ponto de vista etimológico, as designações para ‘bom’ cunhadas pelas diversas línguas? Descobri então que todas elas remetem à mesma transformação conceitual – que, em toda parte, ‘nobre’, ‘aristocrático’, no sentido social, é o conceito básico a partir do qual necessariamente se desenvolveu ‘bom’, no sentido de ‘espiritualmente nobre’, ‘aristocrático’, de ‘espiritualmente bem-nascido’, ‘espiritualmente privilegiado’: um desenvolvimento que sempre corre paralelo àquele outro que faz ‘plebeu’, ‘comum’, ‘baixo’ transmutar-se finalmente em ‘ruim’” Nietzche, Friedrich, Genealogia da moral – Uma polêmica, Tradução Paulo César de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Pág. 18.
A raiz etimológica da palavra ‘agathos’ aponta para ‘alguém que é, que tem realidade, que é real, verdadeiro, o verdadeiro enquanto veraz’, designações que se aplicam a Deus, pois Ele é Senhor. Os termos ‘agathos’ e ‘arete’ eram empregados para levar adiante o lema da nobreza, de modo a distinguir o homem nobre daquele que era comum (Jaeger, Paideia, Pág. 19).
Quando compreendemos que os termos ‘bom’ e ‘mau’ podem fazer referência ao ser, enquanto ‘alguém que é’, perspectiva diferente da classificação que se faz moralmente em relação as ações e motivações do ser, conseguimos entender que o apóstolo Paulo apontou para a natureza de Deus ao dizer: – “Seja Deus verdadeiro”.
Temos aqui uma confissão, o apóstolo Paulo admitindo o que ele constatou ser verdade acerca de Deus. Seja Deus ‘verdadeiro’ é o mesmo que dizer: Ele é Senhor, distinto, nobre, etc., enquanto os homens são ‘ralé’ por não compartilharem da natureza do Criador
O significado de ‘verdadeiro’ e ‘mentiroso’ não possuem conotação moral e nem se referem às questões de caráter, antes aponta para a natureza “De maneira nenhuma; sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso; como está escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras, e venças quando fores julgado” ( Rm 3:4 ; Sl 51:4 ).
Quando Jesus questiona os fariseus acerca do Messias, eles responderam que o Messias era filho de Davi. Em seguida Jesus questiona como o Messias poderia ser filho de Davi, se Davi o chama de Senhor? ( Mt 22:45 ).
Quando é dito que Deus contempla com chuva tanto ‘maus’ quanto ‘bons’, percebe-se que o texto quer dizer que Deus trata grandes (nobres) e pequenos (vis), justo (crente) e injustos (descrente) de igual modo, ou seja, a abordagem não possui cunho moral ou de caráter “Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos” ( Mt 5:45 ).
Os maus e os bons que foram ajuntados para a festa nupcial, não faz referencia aos ladrões, prostitutas, etc., ou aos religiosos, antes tem o sentido de ‘vis’ e ‘nobres’, ‘pequenos’ e ‘grandes’, demonstrando que o Senhor da parábola não faz acepção de pessoas “E os servos, saindo pelos caminhos, ajuntaram todos quantos encontraram, tanto maus como bons; e a festa nupcial foi cheia de convidados” ( Mt 22:10 ).
Após compreender a bondade pertinente a Deus, resta esclarecer que, além de ser ‘nobre’, Deus também é conhecedor do bem e do mal “Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal” ( Gn 3:22 ).
Quando lemos o Salmo 8, que diz: “Ó SENHOR, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra, pois puseste a tua glória sobre os céus!” ( Sl 8:1 ), o termo hebraico traduzido por ‘admirável’ aplica-se aos nobres, como se verifica:
“0117  אדיר ’addiyr ad-deer’ procedente de 142; DITAT – 28b; adj 1) grande, majestoso  1a) referindo-se às águas do mar  1b) referindo-se a uma árvore  1c) referindo-se aos reis, nações, deuses, príncipes 2) grandioso, majestoso  2a) referindo-se aos nobres, chefes de tribos, servos”Dicionário Strong.
Agora, conhecendo a essência do termo, quando lemos o verso 4 do Salmo 93, temos a real dimensão da nobreza de Deus: “Mas o SENHOR nas alturas é mais poderoso do que o ruído das grandes águas e do que as grandes ondas do mar” ( Sl 93:4 ).
“04791  מרום marowm procedente de 7311; DITAT – 2133h; n m 1) altura  1a) altura, elevação, lugar elevado  1a1) num lugar elevado (adv)  1b) altura  1c) orgulhosamente (adv)  1d) referindo-se aos nobres (fig.)” Dicionário Strong.
O Senhor nas alturas está acima dos nobres (senhores) da terra, e é maior em poder que todos os reinos e nações!
Com relação à ‘bondade’ de Deus resta analisar o verso seguinte:
“Porém ele disse: Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do Senhor diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer” ( Êx 33:19 ).
Ora, Moisés pediu para que Deus mostrasse a sua glória, e a resposta de Deus foi que passaria a sua ‘bondade’ diante dele. Que relação há entre a ‘gloria’ e a ‘bondade’ de Deus? Que conexão há entre o que foi pedido e o que foi mostrado?
O termo hebraico traduzido por ‘bondade’ no verso pode ser traduzido por:
“02898  טוב tuwb procedente de 2895; DITAT – 793b; n m 1) bens, coisas boas, bondade  1a) coisas boas  1b) bens, propriedade  1c) justiça, beleza, alegria, prosperidade, bondade (abstrato)  1d) bondade (referindo-se a gosto, discernimento)  1e) bondade (de Deus) (abstrato)”Dicionário Strong.
Este mesmo termo é empregado em Provérbios, onde se lê:
“No bem dos justos exulta a cidade; e perecendo os ímpios, há júbilo” ( Pv 11:10 ).
O termo ‘bem’ no versículo refere-se às riquezas materiais, bem moral, bem estar, benefício, coisas boas, prosperidade, felicidade, generosidade, etc.? Absolutamente não!
Na verdade o termo é utilizado no provérbio para fazer referência à distinção, à nobreza do governante justo, contrastando com o ímpio quando destituído da sua posição “Quando os justos se engrandecem, o povo se alegra, mas quando o ímpio domina, o povo geme” ( Pv 29:2 ).
Ex.: A morte de Atalia trouxe alegria aos habitantes da cidade, pois ficaram livres de um governo ímpio e, simultaneamente passaram a proteção de um rei justo “E todo o povo da terra se alegrou, e a cidade repousou, depois que mataram a Atalia, à espada, junto à casa do rei’ ( 2Rs 11:20 ).
Provérbios 29, verso 12 repete a ideia de provérbios 28, verso 12: “Quando os justos exultam, grande é a glória; mas quando os ímpios sobem, os homens se escondem” ( Pv 28:12 ).
Os versos afirmam que:
  • Quando os justos se alegram há grande glória? ou;
  • Quando os justos se engrandecem (grande glória)?
Ora, o paralelismo[5] que é próprio às poesias e provérbios hebraicos nos leva a concluir pelo consequente dos dois versos que o povo se alegra quando os justos estão no poder, contrastando com os ímpios quando estão no poder. Ora, quando os ímpios galgam o poder os homens se escondem, mas quando os justos se estabelecem no poder há jubilo no povo “Então Mardoqueu saiu da presença do rei com veste real azul-celeste e branco, como também com uma grande coroa de ouro, e com uma capa de linho fino e púrpura, e a cidade de Susã exultou e se alegrou” ( Es 8:15 ).
A melhor do verso 12 de provérbios 28 é:
“Quando os justos triunfam há grande glória; mas quando os ímpios sobem, os homens se escondem” ( Pv 28:12 ) – Almeida Revisada – Imprensa Bíblica.
Voltemos ao pedido de Moisés, e na resposta divina.
O que Deus se propôs revelar está em consonância com o que Moisés pediu, e a glória de Deus é o mesmo que ‘bondade’, entendimento que os lexicógrafos adotaram segundo uma visão romântica.
Na verdade o que iria ser revelado a Moisés não possuía relação com uma bondade abstrata, antes tinha relação com o poderio, a majestade, a magnificência de que é verdadeiro enquanto veraz, nobre, distinto.
É bem provável que em nosso vocabulário[6] tão distante das sociedades aristocráticas ou monarquicas não possua um termo que se possa traduzir as várias nuances pertinentes ao termo hebraico טוב (tuwb).
Este é um provérbio que evidencia uma característica própria às sociedades antigas, que poucos conhecem:
“Por três coisas se alvoroça a terra; e por quatro que não pode suportar: Pelo servo, quando reina; e pelo tolo, quando vive na fartura. Pela mulher odiosa, quando é casada; e pela serva, quando fica herdeira da sua senhora” ( Pv 30: 21 -23).
Ora, o que Deus fez passar diante de Moisés foi toda pujança, poderio, a essência da Sua glória. Dos ricos e poderosos a pujança são os bens, as riquezas, elementos que aponta para a prosperidade, o ‘bem’ que distingue os nobres dentre os comuns dos homens.
Em seguida destaca-se o nome de Deus, que é ‘invocado’ por Deus diante de Moisés, o que é peculiar aos nobres[7], aos bem nascidos, o que por si só representa a glória de quem é o que é: verdadeiro enquanto veraz[8].
Através dos elementos ‘bondade’ e ‘nome’ que consta deste verso, verifica-se o conceito ‘bom’ que se aplica a Deus. Daí vale considerar:
  • Que a ‘bondade’ de Deus é o mesmo que a Sua ‘glória’: “Porém ele disse: Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do SENHOR diante de ti (…) E acontecerá que, quando a minha glória passar…” ( Ex 33:19 e 22).
  • Que os homens devem conhecer a Deus como único e verdadeiro “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”( Jo 17:3 )
  • Que a glória de Cristo estava na incumbência que recebeu ainda antes da fundação do mundo ( Jo 17:6 ), missão esta de manifestar o nome de Deus aos homens “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer (…)  Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste, e guardaram a tua palavra (…) Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste; porque tu me amaste (ordem, incumbência de uma função) antes da fundação do mundo (…) E eu lhes fiz conhecer o teu nome, e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja” ( Jo 17:3 -4 e 6 e 24 e 26);
  • Que no Antigo Testamento as pessoas eram convocadas por sua função “DEPOIS falou o SENHOR a Moisés, dizendo: Eis que eu tenho chamado por nome (ou seja, o chamou por sua função, de saber mexer com metais) a Bezalel, o filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, e o enchi do Espírito de Deus, de sabedoria, e de entendimento, e de ciência, em todo o lavor” ( Êx 31:1 -3);
  • Que a tradução literal de ‘e proclamarei o nome do Senhor diante de ti’ é: ‘e invocarei o nome de YHWH’ ( Ex 33:19 );
  • Que o termo ‘invocação’ pode significar: “s.f. Ação de invocar, de chamar por alguém; Chamamento; pedido de socorro; rogo; Ato de aduzir (trazer) como prova do que se diz; Súplica do poeta a uma divindade, a uma musa, para pedir inspiração; Liturgia Consagração, dedicação, proteção: igreja colocada sob a invocação da Virgem Maria”Dicionário Informal Web – grifo nosso;
  • Que em Êxodo 33, verso 17 o termo hebraico ׃םשֵֽׁבְּ traduzido por ‘nome’ na frase: “e te conheço por nome” possui um significado mais amplo: “em nome de”, no sentido de ‘te conheço por tua função’. O ‘nome’ diz da função que alguém desempenha e não o substantivo que dá nome a alguém;
O verso: “Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nomeEmanuel” ( Is 7:14 ), verifica-se que a ênfase não está no nome (e ele se chamará Emanuel), e sim no nome (e chamará o seu nome Emanuel), destacando a função do menino: ser o Emanuel;
Que a profecia fazia referência a João Batista como Elias, visto que a função de ambos era idêntica: ‘converte o coração dos pais aos filhos’, e que João Batista se apresentava pela função que estava exercendo “Disse: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías” ( Jo 1:23 ); “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do SENHOR” ( Ml 4:5 ); “E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir” ( Mt 11:14 ).
Ao dizer que ‘proclamaria o nome do Senhor’ diante de Moisés, Deus estava jurando por Si mesmo como fez a Abraão “Dizendo: Certamente, abençoando te abençoarei, e multiplicando te multiplicarei (…) Por isso, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs com juramento” ( Hb 6:14 e 17 ).
No ato de fazer passar a Sua glória diante de Moisés, Deus estava apresentando o fato de ser Deus como garantia. Deus ‘passar a Sua bondade’ (glória) e Deus ‘invocar o Seu nome’ não são coisas distintas, pois a glória e o nome englobam os atributos e a função (o nome = função = de Deus é ser Deus), certo é que Deus mostraria que é o ‘Eu sou’ ao deixar ver a sua glória.
Quando Deus diz a Moisés: “Te conheço por nome” ( Ex 33:17 ), destaca a função de Moisés:“Vem agora, pois, e eu te enviarei a Faraó para que tires o meu povo (os filhos de Israel) do Egito” ( Ex 3:10 ), e: “E Moisés disse ao SENHOR: Eis que tu me dizes: Faze subir a este povo, porém não me fazes saber a quem hás de enviar comigo; e tu disseste: Conheço-te por teu nome, também achaste graça aos meus olhos” ( Ex 33:12 ).
Quando Deus desceu em uma nuvem e se pôs próximo de Moisés ‘invocou’ o Seu nome como havia prometido anteriormente diante de Moisés ( Ex 33:19 ). Deus passou diante de Moisés e ‘invocou’ como prova da Sua glória as seguintes funções que desempenha para com o homem:
“O SENHOR, o SENHOR Deus, misericordioso e piedoso, tardio em irar-se e grande em beneficência e verdade; Que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a iniquidade, e a transgressão e o pecado; que ao culpado não tem por inocente; que visita a iniquidade dos pais sobre os filhos e sobre os filhos dos filhos até à terceira e quarta geração” ( Ex 34:6 – 7).
Diante da glória manifesta de Deus e das funções que Ele desempenha, Moisés inclinou a cabeça à terra e adorou.
Neste mesmo sentido é apresentado o nome do Emanuel pela função que Ele havia de desempenhar: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” ( Is 9:6 ).

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