"Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e se unirá a sua mulher, e
serão os dois uma só carne."( Efésios 5:31)
Essa citação foi extraída do trecho de Gên. 2:24, de acordo com a versão
da Septuaginta (tradução do original hebraico do A.T. para o grego,
completada cerca de duzentos anos antes da era cristã).
"por essa causa", porquanto é referida aqui a
idéia geral da intima relação entre um homem e sua esposa. Tal relação é
tão íntima que ninguém pode impedi-la. Por isso é que um homem deixará
seu lar, seu pai e sua mãe, todo o seu antigo relacionamento de familiares e
de amigos, a fim de que os "vínculos" com sua .esposa se revistam do caráter
sem-par que tenham.
Nossos laços de família, com os próprios pais, são
muito fortes, laços de "carne e sangue"; mas isso não nos torna «uma só
carne» com eles. Somente no matrimônio é que há uma união espiritual,
tanto de corpo como de espírito, o que não se verifica nos laços com nossos
progenitores.
Antes de continuarmos,uma palavra sobre 1 Coríntios 6:16 :
"Ou não sabeis que o que se une à meretriz, faz-se um corpo com ela? Porque,
como foi dito, os dois serão uma si carne."
A linguagem utilizada por Paulo é mais do que simbólica e poética.
O que
ele afirmava é que o "contacto sexual" não é um ato físico passageiro, mas
antes, de alguma "maneira mística", une duas pessoas no mesmo tipo de laço
íntimo. Mui provavelmente ele defendia a tese que, em tal união, ocorre
alguma espécie de união de energias vitais físicas e psíquicas, uma real
união de seres, de alguma maneira.
Nos escritos dos místicos é comum a
declaração que expressa o sentimento de que o sexo está envolvido em
alguma forma qualquer de aura. E é fato bem conhecido que os impulsos
sexuais suprimidos podem, realmente, provocar experiências místicas.
No
sexo, embora não saibamos dizer como, há um elemento transcendental
qualquer, o que talvez envolva alguma forma de profunda comunhão entre
as duas pessoas, no nível de suas energias vitais, tanto físicas como
espirituais. Parece ocorrer uma espécie de união de seres. Talvez seja por esse motivo que, nas Escrituras, a relação matrimonial é empregada para "ilustrar simbolicamente a união entre Cristo e a sua igreja", porquanto, de
maneira bem real, exemplifica uma real comunhão de energias espirituais
vitais, e não meramente uma união poeticamente expressa
Paulo aqui cita o texto de Gênesis 2:24 de acordo com a versão da Septuaginta(traduçãodo A.T. hebraico original para o grego, completada
cerca de duzentos anos antes da era cristã), onde, naturalmente, há alusão
às relações matrimoniais.
Não obstante, Paulo deixava entendido que quer
dentro do casamento, quer fora dele, as relações sexuais envolvem alguma
espécie de união vital dos seres de duas pessoas. Essa união pode justificar
nossa comum afirmativa que, de certa forma, elas se tornam «uma só
pessoa». Ora, e seria possível que um crente, que professa ter a Jesus Cristo
como seu Senhor, e que assim se encontra supostamente em Cristo, isto é,
que goza de alguma espécie de comunhão mística com ele, possa ao mesmo
tempo unir-se tão vitalmente a uma mulher sensual, carregada de pecados,
impelida por diversas concupiscências fortes, como ocorre se se unir a uma prostituta ?
Paulo não podia admitir que ambas essas coisas podem ser
realidade na vida do crente. Ter tal união com uma mulher dessa natureza é
romper a comunhão mística com Cristo, é sufocar a intimidade com ele. Por
conseguinte, tal imoralidade sob hipótese alguma pode ser reputada como
questão «indiferente», moralmente falando, conforme alguns crentes de
Corinto supunham.
«Ter contacto sexual com uma das sacerdotisas de Afrodite (o que fazia
parte do ritual pagão em Corinto), significava consagração a essa deusa, e,
naturalmente, exclusão do corpo de Cristo». (C.T. Craig, ).
No Talmude encontramos uma declaração similar: "Quem quer que se
una à mulher de outro homem, com isso renuncia ao Deus Santo e Bendito e
se exclui da congregação dos israelitas"
O problema da prostituição:
Paulo não aborda esse e outros problemas
relacionados do ponto de vista da saúde da comunidade, do orgulho
individual ou do respeito próprio ou pelos outros, conforme fazem a
medicina e a sociologia modernas. Para o apóstolo dos gentios tratava-se,
essencialmente, de um problema espiritual, pesadamente sobrecarregado
de proposições espirituais da mais elevada ordem. As relações entre um
homem e o seu Deus são afetadas por sua vida sexual, razão pela qual é algo
que se reveste das mais importantes conseqüências. A comunhão com Deus
pode ser totalmente abafada, e a intimidade com Jesus Cristo pode ser
destruída, através do abuso das funções sexuais.
"A indulgência nesse particular do sexo embota o fino fio da vida pessoal
e diminui a sensibilidade do indivíduo para com as realidades espirituais...
E grande parte desses abusos, se não mesmo todos eles, tem sido combatida
pela sociologia, particularmente no que diz respeito à prostituição abusos esses igualmente condenados por Paulo. Apesar de ser possível ao indivíduo
escapar, pelo menos durante algum tempo, de quaisquer conseqüências
físicas e fisiológicas, não é possível escapar das consequências psicológicas.
A prostituição tende por produzir efeitos psicológicos adversos sobre os
indivíduos envolvidos, e, em adição a isso, efeitos adversos inevitáveis sobre
a estrutura moral e espiritual da sociedade. Outrossim, conforme o ponto
de vista do apóstolo, qualquer pessoa que se permite tais práticas une-a sua
‘personalidade’ com a de sua companheira, ou vice-versa, assim
contaminando o próprio templo de Deus, de quem pertence, com
exclusividade, a ‘personalidade’ do crente... Uma das mais antigas heresias
contra a qual o apóstolo teve de combater foi a idéia perniciosa que dizia
que a liberdade cristã subentende licenciosidade... Suas convicções
precisam ser reafirmadas pela igreja, século após século". (John Short).
Paulo cita aqui certos trechos do A.T., a fim de encontrar apoio para o
seu argumento, prática essa comumente vista em suas epístolas, usualmente
com o acompanhamento da fórmula está escrito. ( I Cor. 1:19,Rom. 10:6).
"Aquilo que tem sido feito sobrevive, moralmente, em ambos. E daí por
diante um não pode livrar-se do outro". (Findlay).
"...serão os dois uma só carne..." Essas palavras não significam fazeruma
só carne, reproduzindo sua própria espécie, ao que tem sido reduzido o
significado deste versículo, mas que ê um sentido realmente alheio ao texto.
Efésios 5:31
Os vínculos matrimoniais, naturalmente, não eliminam nossos deveres
para com os nossos pais ou quaisquer outros relacionamentos importantes,
mas ultrapassam a todos eles, no sentido de sua importância e intimidade.
O matrimônio é o mais sagrado de todos os vínculos, exigindo uma espécie
peculiar de dedicação e atenção. Aqueles que se recusam a permitir que o
matrimônio transcenda a outros laços não demoram a aprender que isso
convida perturbação; e os pais que tentam dominar seus filhos mesmo após
se casarem, são impulsionados por um amor· egoísta que mais se assemelha
ao ódio, pelo menos quanto aos seus resultados. E cena entristecedora ver
mãe e noras a competir pelo amor e atenção de um homem. Isso é contrário
à ordem natural das coisas, e nunca deixará de ser acompanhado por
lamentações e lágrimas.
".. .se unirá à sua mulher..."
Esse verbo vem do termo grego «proskollao»,
que quer dizer "aderir intimamente a", e cujo sentido literal é "grudar". Tal
palavra fala da união íntima e ènlaçante que deve haver no
matrimônio. (Adam Clarke ) desenvolve a idéia dessa palavra com
uma metáfora, ao dizer: «Ele será ‘grudado’ ou ‘cimentado’ a ela; e assim
como uma tábua bem ‘colada’ se partirá antes por inteiro do que na junta
colada, assim também somente a morte pode separar marido e mulher».
Sim, e algumas pessoas acreditam que nem mesmo a morte física tem esse
poder, porquanto o amor dos casais transcende à sepultura. A doutrina das
«almas gêmeas», ou das «almas cônjuges» não permite qualquer separação,
como se esposo e esposa fossem gêmeos em suas almas.
"...se tornarão os dois u m a só carne ..." A metáfora da «costela» é aqui
aludida, na qual o marido e sua mulher são encarados como se, de alguma
maneira literal, compartilhassem da mesma substância carnal.
Porém, o
sentido aqui é o mesmo que aparece no vigésimo oitavo versículo, onde a
esposa figura como corpo do esposo.
Efésios 5:28
Após a digressão, na qual o alvo divino da perfeição moral é colimado, no
caso da igreja (ver os versículos vinte e seis e vinte e sete), Paulo retorna ao
tema de como o marido deve amar sua mulher.
E agora elabora esse tema,
mostrando que o amor apropriado do marido por sua mulher deve
equiparar-se ao amor que ele tem por si mesmo. Além disso, Paulo mostra
que esse amor é uma forma de amor-próprio, pois apesar dos cônjuges
serem dois, na realidade são "um só".
Já fora demonstrado que o padrão do
amor de um homem por sua esposa é o amor de Cristo pela igreja (ver o
vigésimo quinto versículo). Esse princípio talvez seja por demais elevado e
abstrato para muitos. Por isso é que, neste ponto, a questão é nivelada a um
ponto onde todos os homens possam compreendê-la. Todos os homens
amam a si mesmos, a menos que tenham algum problema patológico.
Sabem perfeitamente bem o quanto amam a si próprios, pois percebem o
quão intensamente buscam aquilo que lhes agrada, e quão preocupados são
por seu próprio bem-estar.
Este texto, pois, exorta aos varões crentes que
transfiram para suas esposas o mesmo tipo de cuidado e preocupação pelo
seu bem-estar. Se um homem fizer isso, estará cumprindo o seu dever; e
essa qualidade de amor contribuirá para o estabelecimento da harmonia no
lar. Outrossim, esse método divino garante que a mulher se sentirá
inclinada à obediência, retribuindo ao amor que lhe é demonstrado. Sendo
assim as coisas, pode-se ver claramente que quando um homem ama à sua
esposa, estará beneficiando a si mesmo, porque isso leva sua esposa a ter
cuidado dele, a amá-lo, além do que ela fará aquilo que o agrada e que
aumenta a sua felicidade
Essas são expressões que indicam a
íntima comunhão entre eles, que chega a ter um caráter místico, pois entre
eles há uma união das energias vitais. A passagem do livro de Gênesis,
entendida alegoricamente, expressa uma grande verdade.. A mulher, por
haver sido criada da costela do homem, simboliza a relação íntima entre
eles, tanto em sua natureza como em suas energias vitais, mormente no que
tange às relações matrimoniais. Essa é outra maneira de chamar a mulher
de corpo do homem (o que foi dito no vigésimo oitavo versículo), embora
sob um simbolismo diverso. Também é outra maneira de dizer que a esposa faz parte do seu esposo, o que também é dito no mesmo versículo, A união vital entre marido e mulher, que atinge até mesmo suas energias
vitais, simboliza aquela unidade espiritual ainda mais vasta de Cristo e sua
igreja, e na qual. há a participação da mesma natureza essencial, posto que
os crentes serão inteiramente transformados segundo a imagem de Cristo,
por atuação do Espírito Santo. (Ver II Cor. 3:18 ).
"No matrimônio natural, marido e mulher se combinam para formar
um ser humano perfeito, um é o complemento do outro. Assim também
Cristo, na posição de Deus-homem, teve por seu prazer fazer da igreja, o
corpo, um adjunto necessário de si mesmo, que é o Cabeça. Ele é o
arquétipo da igreja, à imagem de quem, qual modelo, ela é formada. Ele é
seu Cabeça, assim como o marido é o cabeça de sua mulher ( Rom. 6:5; I
Cor. 11:3 e 15:45). Cristo jamais permitirá que qualquer poder estabeleça
separação entre ele mesmo e sua noiva. ( Mat. 19:6; João 10:28,29 e
13:1)". (Faucett)
Há certa interpretação alegórica deste versículo. Muitos elementos
antigos e alguns modernos interpretam este versículo como uma alegoria
sobre as relações entre Cristo e sua igreja. O versículo seguinte mostra-nos
que pelo menos algum sentido simbólico deve ser incluído, porquanto
aquilo que Paulo deixou escrito tem um duplo significado, tal como sucede
por toda esta passagem: há certa aplicação aos laços matrimoniais literais,
entre homem e mulher; e há outra aplicação ao vínculo entre Cristo e sua
igreja, os quais são expostos como o noivo e sua noiva. Mas, visto que
nenhuma definição exata foi registrada pelo próprio autor· sagrado, muitas
variedades de interpretação sobre os elementos dessa «alegoria» têm sido
expostas, do que damos os seguintes exemplos:
1. O «esposo» seria Cristo, e a «esposa» seria a igreja. E nos verbos usados
no tempo futuro, que há neste versículo, alguns estudiosos vêem a
«parousia» ou segunda vinda de Cristo. Todavia (Alford ), vê
«elementos passados, presentes e futuros», como parte do intuito da
passagem. Portanto, conforme diz ele ainda, «Cristo deixou o seio do Pai, no
passado; está preparando gradualmente a união com a igreja, no presente; e
haverá de consumá-la plenamente, o que é futuro».
2. Outros estudiosos ampliam e exageram essa alegoria, pensando que a
«mãe» hipotética que Cristo deixou seria a Jerusalém celestial (os lugares
celestiais), ou então o Espírito Santo. Jeremy Taylor opinou: «Cristo desceu
do seio do Pai e ligou sua divindade com carne e sangue, tendo-se casado
com a nossa natureza; e assim nos tornamos a igreja».
3. Outros incluem a cerimônia da Ceia do Senhor na idéia da coabitação
conjugal.
4. Há intérpretes que rejeitam inteiramente a interpretação alegórica,
pois esta, naturalmente, tem sofrido algumas distorções estranhas e
abusivas. Mas o trigésimo segundo versículo deste capítulo exige, pelo
menos, uma aplicação secundária das declarações deste versículo. A
aplicação primária é que as relações matrimoniais transcendem todos os
demais laços terrenos. Em certo sentido espiritual, nossas relações com
Cristo transcendem quaisquer vínculos de qualquer categoria. É mister
abandonar tudo para que se possa segui-lo, conforme o evangelho mesmo
nos ensina, em Mat. 16:24-27.( kkk se isso cai nas mãos de uns "profetas" kkk já pensou?)
5:32: Grande é este mistério, mas eu falo em referência a Cristo e à igreja.(onde aparecem os
diversos «mistérios»"referidos nas páginas do N.T.: Rom. 11:25 e Mat.
13:13)
Na presente epístola há três desses «mistérios», a saber:
1. O mistério da vontade de Deus, que consiste da restauração e da união
de todas as coisas em Cristo, tanto as terrestres como as celestiais e
infernais. Esse é o grande «mistério da vontade de Deus», comentado no
trecho de Efé. 1:10.
2. Também há o «mistério da igreja», que é uma subcategoria do mistério
da vontade de Deus, a saber, aquilo que Deus tenciona fazer com os
remidos, 0 que envolve o chamamento e o elevadíssimo destino da igreja, o
corpo de Cristo. (As notas expositivas sobre isso aparecem em Efé. 3:3. E as
notas expositivas gerais sobre a «igreja» figuram em Efé. 3:10).
3. O mistério da igreja como «noiva de Cristo» é uma subcategoria do
mistério geral da igreja. E é nesta secção que esse mistério é apresentado.
Nas Escrituras, um «mistério» não tem qualquer conotação de algo
misterioso, indecifrável, conforme eram os .mistérios gnósticos ou as
doutrinas esotéricas, que só eram revelados aos iniciados. Antes, nas
páginas do N.T., um «mistério» não é um «enigma», e, sim, uma
«revelação», um «segredo aberto», algum elevado conceito, antes oculto,
mas que agora foi revelado. Posto que estamos
manuseando com elevadíssimas verdades, naturalmente que existem
elementos indefinidos e não-explorados nesses mistérios.
O mistério apresentado nesta secção, que é o do matrimônio sagrado,
envolve um aspecto terrestre e outro celestial, conforme se vê nos dois
pontos abaixo discriminados:
1. Não há que duvidar que, em sentido secundário, a relação matrimonial
terrena, em sua comunhão mística e vital entre marido e mulher, é chamada
de um «mistério». Há uma grande maravilha em torno disso, sobre a qual
pouco sabemos.
Há certa
forma de união de energias vitais, certa comunhão ao nível da alma, e não
somente ao nível físico, que é inerente às relações matrimoniais. Alguns
supõem que isso transcende ao que é terreno, abordando as esferas
celestiais, e que, em suas perfeições mais altas fazem parte da redenção do
homem por Deus, por.tratar-se de uma espécie de redenção do próprio «eu»
que precede e acompanha a redenção maior dada por Deus. Muitas
especulações giram em torno dos aspectos superiores dessa questão, sobre a
qual temos tão pouco conhecimento. Pelo menos pode-se dizer que há uma
espécie de união e comunhão vitais entre o homem e sua mulher, que
transcende ao que é físico, por ser ao mesmo tempo espiritual e místico,
como se fosse uma miniatura daquela maior união e comunhão entre Cristo
e o crente. Devemos observar, além disso, que a fonte de poder, nessa união
e comunhão matrimonial, é a graça cristã cardeal, o amor. Aprendemos a
amar a Deus amando supremamente a outro ser humano, esse é um
pensamento que fica subentendido em toda essa questão.
2.Também há o mistério da igreja como a noiva de Cristo. Uma forma especial de amor, de comunhão e de união vital, entre os remidos e o Senhor
Jesus, é o âmago mesmo desse mistério. A figura simbólica das relações
matrimoniais é empregada para dar a entender essa verdade. O
«matrimônio sagrado», naturalmente, não é idéia limitada às páginas do
N.T., embora este o defina como não o faz o A.T. Por isso podemos dizer
que a idéia neotestamentária, pelo menos em parte, é uma expansão e
refinamento do que diz ο A.T., onde Israel aparece como a esposa de
Yahweh, conforme se vê em trechos como Isa.54:5; Osé. 2:16 e Jer. 3:14,20.
Paulo antecipa esse mistério em II Cor. 11:2, onde diz: «...vos tenho
preparado para vos apresentar como virgem pura a um só esposo, que é
Cristo». Por semelhante modo, nos evangelhos, Cristo é chamado de noivo.
(Ver Mat. 9:15 e Marc. 2:19,20). Apesar dos mais antigos judeus não
interpretarem a passagem de Gên. 2:23,24 como uma alegoria, como se isso
indicasse o «matrimônio sagrado», os intérpretes judeus da era helenística
consideravam os matrimônios dos patriarcas como alegorias sobre o
«matrimônio místico» de Deus com as virtudes, ou de Deus com a
Sabedoria, em que o Logos seria o «filho» produzido dessa união. Por igual
modo, os filósofos estóicos alegorizavam os casamentos entre os deuses.
Portanto, a idéia neotestamentária não expressa nenhuma novidade,
embora assuma sentidos novos e inesperados.
Ο A.T., como no livro de Oséias, encara as relações sexuais entre esse
profeta e sua esposa, como parte importante do simbolismo. Nisso há para
nós uma lição assaz interessante. As relações sexuais, quando são ilegítimas
e pervertidas, talvez sejam a força isolada mais destruidora da terra. Por
semelhante modo, a infidelidade a Deus, mediante uma vida pecaminosa e
rebelde, que faz do próprio «eu» o centro de tudo, perturba a comunhão
com Cristo, podendo vir eventualmente a destroçá-la por inteiro. Por outro
lado, dentro das relações matrimoniais, as relações sexuais legítimas se
revestem de elevado valor, como parte vital da união e da comunhão
próprias do matrimônio. Assim também, no terreno espiritual, existe certa
comunhão de amor que é altamente benéfica para a alma que inquire pelo
Senhor, pela verdade e pela santidade, todas as quais coisas são
encontradas em nossa união com Cristo. Primeiramente Cristo se uniu à nossa humanidade; e agora estamos sendo unidos à sua divindade. E essa
espantosa união espiritual é o coração mesmo do mistério aqui aludido.
É na direção desses conceitos que Paulo nos dirige, embora não tenha
entrado em especificações. Não é doutrina bem desenvolvida no A.T., o fato
que o homem pode ter comunhão com o próprio Deus; e que o homem pode
vir a participar da própria natureza divina, conforme ela é vista em Cristo,
mediante a comunhão com o Espírito Santo (ver Efé. 2:21,22; 3:19 e 1:23),
é algo inteiramente desconhecido nas páginas do antigo pacto.Mas essas são
as verdades espirituais què esse mistério nos revela. O mistério é
«...grande...», tão grande que nos deixa atônita a imaginação,
ultrapassando o alcance da razão humana. E por essa mesma razão tinha de
ser algo «revelado», não podendo ser descoberto pelo engenho do homem.
O matrimônio é visto como uma espécie de sacramento na Septuaginta : Por essa razão é que o
vocábulo «mistério» é traduzido por "sacramentum", o que evidentemente foi
o começo da idéia que o matrimônio é um sacramento. Mas não se trata de
uma tradução correta, e os intérpretes católicos mais importantes têm
rejeitado tal idéia, como Erasmo, o cardeal Caetano e Éstio. "Todavia, a
palavra «sacramento», se for considerada em seu sentido primário, isto é,
«algo sagrado», pode aplicar-se ao matrimônio. Contudo, dentro da teologia
da cristandade de séculos posteriores, os «sacramentos» vieram a tornar-se
sinais visíveis de graças invisíveis, como se a graça divina só pudesse ser
transmitida aos homens através de meios ritualistas. Ora, o matrimônio
não é esse tipo de «sacramento». E é contra isso que os protestantes que não
se inclinam para o ritualismo «protestam», sem importar se está em foco
batismo, a missa, o matrimônio, a confirmação, a penitência, ou a extrema unção.
"O grande mistério que Cristo sopra sobre a igreja, é a sua própria vida e
o seu próprio poder". (Calvino)
"Se esse mistério pode ser plenamente explicado ou não, o inegável é que
uma família humana pode servir de parábola acerca do reino de Deus.
Alguém já intitulou a família cristã de ‘pequena igreja’. Uma família cristã
pode representar a grande aliança entre Cristo e a sua igreja, em
miniatura". (Wedel)
«.. .amar as suas mulheres como a seus próprios corpos...»
Neste ponto se
destaca a comunhão mística entre esposo e esposa. A tradução que temos
aqui é gramaticalmente possível, embora outros intérpretes prefiram a
tradução mais enfática que diz «...como sendo seus próprios corpos...», de
acordo com a qual a esposa é diretamente chamada de corpo do homem, de
conformidade com a analogia que domina toda esta passagem, a saber, a de
Cristo como Cabeça e a da igreja como corpo.
Portanto, o homem aparece
como o cabeça e a mulher aparece como o corpo.Nesse caso, a palavra grega
«outros» se refere gramaticalmente ao que «antecede», a saber, à analogia
entre Cabeça e corpo (Cristo e sua igreja), ao passo que o termo grego «os»
tem certa força «qualitativa».
Porém, quer entendamos essas palavras como
diz esta nossa versão portuguesa ou como «como sendo seus próprios
corpos», o sentido final é o mesmo, pois ambas as expressões são enfáticas,
devido ao fato que «seus próprios corpos» são aludidos, e não apenas «seus
corpos». A palavra «próprios», dentro dessa expressão, personaliza a
questão
Além da alusão à analogia de Cristo e da igreja como Cabeça e corpo, mui
provavelmente também é destacado aqui o conceito de Gên. 2:24, que diz
que o homem e sua mulher são uma só carne.
Isso pode ser comparado ao
pensamento paulino, em I Cor. 6:16, que considera que um homem e uma
prostituta, quando se unem sexualmente, são «um só corpo». Parece
salientar-se aqui a idéia que existe certa comunhão mística no sexo, que une
os indivíduos envolvidos em suas energias vitais. E certamente que isso
ainda é mais verdadeiro no caso de esposo e esposa. Assim, pois, temos aqui
a idéia de alguma forma de unidade mística entre o homem e a sua mulher,
alguma forma de comunhão ao nível das energias vitais, da alma, tal como
com freqüência se lê que há tal intimidade entre Cristo e a igreja. ( I Cor. 1:4).
Paulo emprega a expressão em Cristo por
nada menos de cento e sessenta e quatro vezes, sendo essa uma nota chave
de sua teologia, o que por alguns eruditos tem sido denominado de
«misticismo cristão».
Portanto, no matrimônio há uma espécie de
«misticismo homem-mulher», que envolve certa comunhão de alma. Tal
comunhão é expressa como se a mulher fosse o próprio corpo de seu marido.
Sendo essa a situação, entre o homem e sua esposa, não deveria ele
encontrar dificuldade em amá-la; e esse amor deveria aumentar até que ele
cuide dela como cuida de si mesmo. Marido e mulher, pois, são encarados
aqui como partes complementares de um único ser.
Calvino
Comenta a respeito, como segue: «Um argumento é agora
fundamento na própria natureza, para provar que os homens devem amar
às suas próprias esposas. Cada homem, por sua própria natureza, ama a si
mesmo. Mas nenhum homem casado pode amar a si mesmo se também não
ama à sua esposa.
Portanto, o homem que não ama à sua mulher, é um
monstro. A proposição menor é comprovada dessa maneira. O matrimônio
foi determinado por Deus sob a condição que os dois sejam ‘uma só carne’.
E que essa unidade é a mais sagrada possível, fica novamente salientado
pelo fato que nossa atenção é chamada para o caso de Cristo e sua igreja.
Esse é o alcance do argumento paulino, que. até certo ponto se aplica
universalmente, à sociedade humana inteira. A fim de mostrar o que o
homem deve ao homem, Isaías diz: «...e não te escondas do teu
semelhante?» (Isa. 58:7). Porém, isso alude à nossa natureza comum. Pois
entre um homem e sua esposa há uma relação ainda muito mais íntima;
porquanto eles estão unidos não apenas através de certa semelhança de
natureza, mas também pelo laço matrimonial, para que se tornem uma só
pessoa. Todo aquele que leva a sério o desígnio do matrimônio não pode
deixar de amar sua esposa».
O Senhor Jesus sabia sobre o que falava
quando salientou a idéia de «um homem e uma mulher» (ver Mat. 19:4 e
ss.). Nenhum homem pode manter esse tipo de relação matrimonial se tiver
mais de uma esposa. Somente uma única mulher pode ser a outra metade
do ser do marido. Um homem só pode ter um corpo, e não diversos.
A
narrativa do livro de Gênesis, que pinta a mulher como ser extraído do
corpo do homem, ilustra, alegórica e misticamente, a união íntima entre um
homem e sua mulher.
O matrimônio monógamo, de fato, é uma determinação tão clara da
criação que tanto as sociedades pagãs como a sociedade cristã forçosamente
precisam preservá-lo, a despeito das muitas interrupções havidas.Não existe
graça, da natureza ou da cultura, que seja suficiente para dar continuação
ao padrão, quando o próprio crente aceita isso como sua norma de vida. Por
isso mesmo, o testemunho cristão talvez não possa tornar-se mais visível,
em uma era pagã, do que através de um símbolo que situa em ousado relevo
a alegria e a glória do matrimônio cristão. Esse é um dos galardões dos
crentes. Pode levar outros homens a inquirirem pela graça que torna
possível o cristianismo.
‘Ah! todos vós os que tendes sede, vinde às águas; e
vós os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e
comprai, sem dinheiro e sem preço...» (Isa. 55:1).
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