domingo, 7 de julho de 2019

profecia

PROFECIA: [12]Anderson de O. Lima sugere em seu artigo “Defesa apocalíptica de Paulo” a leitura de Amós 3.9-12, texto do século VIII a.C., tipicamente profético. O profeta convida nações pagãs, geralmente vistas como epítomes do pecado, para subir nos montes de Samaria e assistir de camarote às injustiças que há na cidade, então capital do Reino do Norte, Israel. Por fim, o profeta prevê a invasão assíria, a destruição da nação e da injustiça dela. Segundo ele tense então, a partir desse exemplo, algumas características da profecia para enumerar:
1. A profecia é local, não prioriza em sua fala o mundo ou o universo inteiro, antes, sua preocupação é a nação ou no máximo países vizinhos;
2. A profecia nasce da oralidade, e o profeta anuncia as visões e oráculo oralmente ao povo. Se, temos profecia escrita, é porque depois alguém, comovido pela mensagem, a registrou por escrito, mas profetas não eram escritos a princípio;
3. A preocupação da profecia é principalmente social, isto é, lida com a pobreza, com a violência, com a injustiça, e com base no caráter de Deus, que é justo, prevê uma ação divina para alterar o rumo dos acontecimentos e punir os culpados;
4. A profecia típica é um fenômeno religioso principalmente pré-exílico, e que sofreu transformações com o tempo e a partir do século VI vemos nela cada vez mais a presença de elementos apocalípticos, o que pode ser considerado uma evolução da profecia.
            O relato lucano da chamada de Saulo tem sido frequentemente comparado com o chamado dos profetas do antigo testamento, por exemplo: (1 Rs-22:19), (Is-6:1-10), (Ez-1, 2:1-3), (Jr-1:4-10), más é importante também levar em conta uma diferença, no antigo testamento as histórias de chamada são apresentadas como uma comissão para uma missão especial, não como uma chamada à mudança de vida. Dos chamados proféticos analisaremos o de Ezequiel por ser o que mais se assemelha ao nosso objeto de estudo. No livro do profeta Ezequiel (1:1) o profeta diz ter tido visões da glória de Deus, nas outras visões da glória, é o templo, essa casa terrestre, que serve de quadro para o encontro do Senhor. Agora é no céu que, a visão aparece a Ezequiel, visto que ele se encontra na Babilônia. Essas indicações topográficas dão todo o sentido da mensagem ezequielana: longe do santuário de Jerusalém, os deportados não estão, a despeito do que se pensa (11:15), longe do Senhor; porque do alto do seu palácio celeste ele reina sobre toda a terra;  portanto, está próximo de seu povo disperso entre as nações. Ezequiel designa por glória o ser divino enquanto se revela; é a manifestação do poder, da santidade de Deus, perceptíveis através dos sinais: fenômenos cósmicos (tormenta 1:4), símbolos litúrgicos. Contudo a representação ezequielana apresenta certas particularidades: a glória tornou-se imediatamente visível, pelo menos aos olhos do profeta, numa explosão de luz; além disso, ela tem uma aparência bastante semelhante à forma humana; por fim, aparece como realidade autônoma, quase hipostasiada: sai do templo, se posta acima da colina próxima, retorna a ou santuário. Por outro lado, Ezequiel busca suavizar a novidade e a audácia de tais expressões por formulas de aproximação: “Como: à semelhança de” etc. Mas ele busca, sobretudo, aproximar os dados dificilmente consiliáveis que são: o sentido da transcendência e a afirmação da proximidade de Deus; a convicção da presença divina e a certeza de que a glória não pode ser atingida pela iminente ruína da Jerusalém infiel.
            Filho do homem muito freqüente em Ezequiel, que utiliza várias vezes esta expressão marca especificamente neste capítulo 2, que prolonga a grande visão do inicio - um contraste sugestivo; diante da glória do Senhor, cuja grandeza parece quase terrificante (1:28), Ezequiel não passa de um ínfimo filho de homem (1:3), incapaz até mesmo de ficar de pé. Depois de cair com o rosto em terra, Deus fala com o profeta e diz que o está enviando. Depois Ezequiel vai para Tel-Abib que signinifica “colina da espiga”. Com alguns manuscritos hebraicos pode-se também traduzir: “morei lá, sete dias, no meio deles, desconcertante.
            Agora vejamos o que aconteceu com Saulo, um facho de luz do céu o envolve com seu brilho, ou seja, como Ezequiel Saulo vê a glória de Deus. Ele cai por terra como Ezequiel e ouve uma voz que o chamando pelo nome, o grego transcreve no (v.4) e (v.17), o mais exatamente possível, a pronúncia semítica do nome de Saulo, “Saul”. “Eu sou Jesus”, o Eu Sou é aqui como em outras passagens (Lc-21:8; 22:70; 24:39; Jo-6:20,35), uma fórmula de revelação. Na revelação de Cristo ressurreto para Saulo, fica claro que na pessoa de seus discípulos quem é perseguido é o Senhor Jesus. Jesus fala para Saulo que o enviará assemelhando mais uma vez sua chamada ao do profeta. Mas Paulo levantasse cego, pois há um preço a ser pago por ver a glória de Deus, Ezequiel fica sete dias atônito, atordoado ou desconcertante, Jacó ao ter um encontro com Deus no vau do Iaboq fica manco (Gn-32:26).
            [13]APOCALÍPTICA: Agora podemos seguir para a apocalíptica, cujo principal exemplo continua sendo o livro do Apocalipse de João, o último livro do Novo Testamento e o texto que deu nome ao gênero. [14] Esse gênero da literatura judaica existiu por vários séculos, e muitos dos textos apocalípticos são datados do chamado “período interbíblico”. Mas a apocalíptica continuou produzindo textos como o nosso Apocalipse de João e outros até o século III d.C. Porém, sugiro a leitura de um texto dos primórdios, que é apocalíptico, mas que também permanece próximo da profecia. Trata-se de Isaías 24.1-3. Após lê-lo, veja as características da apocalíptica conforme assinalamos abaixo:
1. A apocalíptica é mais textual que oral, os apocalípticos já escreviam suas visões e não as divulgavam oralmente como os profetas, embora eles mesmos ainda pudessem se considerar profetas;
2. A apocalíptica costuma apresentar viagens celestiais que os visionários têm em momentos de êxtase. Ou seja, são revelações inconscientes de coisas celestiais;
3. A apocalíptica é universal, e não local. Quando Deus intervém apocalipticamente na história, não muda uma nação, não troca um governo, mas acaba com a terra e todos os seus moradores, sejam eles bons ou maus. Astros são abalados, os elementos se misturam e nesse caos não há como escapar;
4. A apocalíptica apresenta-se em linguagem simbólica, velada. Há sempre uma espécie de “segredo apocalíptico” que não pode ser revelado, algo visto ou ouvido que não é permitido repetir (Dn 12.4; Ap 10.4). As bestas, mulheres, seres de várias cabeças e chifres, números secretos, são símbolos que já ocultam o significado real da mensagem;
5. A apocalíptica é pessimista com relação à restauração desse mundo. Enquanto o profeta espera a restauração política de sua nação, o apocalíptico só vê melhorias se o mundo acabar. A nova criação é assim, a sua esperança;
6. A apocalíptica é quase sempre “pseudonímica”. Isso significa que os visionários não revelam suas identidades em seus escritos, antes, costumam atribuir as viagens celestiais a outros personagens como Enoque, Pedro, Moisés, Daniel...;
7. A apocalíptica costuma apresentar uma revelação progressiva, gradual. No céu, o visionário visita vários estágios, vários templos, vários céus, vários selos, trombetas ou taças... [8] Em Divina Comédia o poeta italiano da Idade Média, Dante Alighieri, criou uma viagem celestial em que visitou inferno, purgatório e céu, demonstrando que compreendeu essa característica progressiva da apocalíptica judaica. Geralmente, só no estágio mais elevado o visionário vislumbra a glória de Deus;
8. A apocalíptica costuma contrapor a magnitude da revelação à fraqueza do visionário. Veja Ezequiel 1.28, Daniel 8.26-27 e Apocalipse 1.17, onde os visionários perdem as forças por terem vislumbrado coisas santas demais. Assim, podemos dizer quem em geral, na apocalíptica judaica quem recebe grandes revelações sofre como consequência a fraqueza física.
            Paulo não nasceu no tempo da profecia, mas no tempo da apocalíptica. Por isso, no momento em que ele decidiu relatar sua experiência religiosa, escolheu a linguagem apocalíptica, própria de seu tempo e lugar. É isso o que veremos a seguir, lendo 2coríntios 12.1-10.
2 Co-12:1-10
“(1) Em verdade que não convém gloriar-me; mas passarei às visões e revelações do Senhor. (2) Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos (se no corpo, não sei; se fora do corpo, não sei; Deus o sabe), foi arrebatado até ao terceiro céu. (3) E sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) (4) foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras indizíveis, de que ao homem não é lícito falar. (5) De um assim me gloriarei eu, mas de mim mesmo não me gloriarei, senão nas minhas fraquezas. (6) Porque, se quiser gloriar-me, não serei néscio, porque direi a verdade; mas deixo isso, para que ninguém cuide de mim mais do que em mim vê ou de mim ouve. (7) E, para que me não exaltasse pelas excelências das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um anjo de Satanás, para me esbofetear, a fim de não me exaltar. (8) Acerca do qual três vezes orei ao Senhor, para que se desviasse de mim. (9) E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. (10) Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando estou fraco, então, sou forte”
            Como nos foi proposto fazer uma analise comparativa entre 2co-12:1-10 e At-9:1-35, tive por necessidade escrever todo o texto para comparar seus aspectos e suas ligações.
            Jesus deixou em Jerusalém, um pequeno grupo formado por doze homens, ou seja, seus doze apóstolos e mais alguns que aderiram ao movimento que creram nas pregações de Jesus. Em suma, são estes homens vêem ser crucificado, testificaram sua ressurreição e ficaram em Jerusalém a espera da promessa (Lc-4:49), e esperando volta de Jesus que para eles não demoraria. Fora desse círculo mais íntimo, Jesus deixou na galiléia e nas aldeias por onde ensinou centenas de simpatizantes, que não se tornaram seus seguidores itinerantes, más que também creram em sua mensagem original e deram segmento a ele após sua morte nas regiões da Galiléia. Paulo não fazia parte desse grupo, aparece entre os novos adeptos de Jesus menos de dez anos após sua morte, e logo passa a pregar e implantar outras comunidades independentes daquelas dos apóstolos originais, formando uma linha independente dessa igreja primitiva, que em muitos aspectos era oposta às demais. Sem ter vivido a experiência de conhecer e seguir Jesus, e sem inspirar-se no ensino dos doze, Paulo pregou o Jesus que ele conhecera através de uma experiência religiosa particular, quando o Filho de Deus veio ao seu encontro em sua forma glorificada.
            [15]Segundo Anderson de O. Lima, em (2Co-12:1-10) Paulo faz uma defesa do seu apostolado. Um dos grandes problemas enfrentado por Paulo girava em torno de sua autoridade apostólica, que autoridade tinha ele para pregar e instituir igrejas independentes entre os gentios? Com que direito ele dizia ser apóstolo? Não deveriam tais comunidades paulinas procurar seguir aquilo que os doze ensinavam após o primeiro contato com Jesus? Entender esse conflito e o posicionamento de Paulo é fundamental para compreender o texto de 2coríntios e também as demais cartas autenticamente paulinas.
            Em Atos dos Apóstolos 1.21-22 temos os critérios de Lucas para a escolha de um apóstolo. Narra-se a escolha de Matias para substituir Judas, e em resumo, os critérios para se tornar apóstolos são:
            Só deveria haver doze apóstolos. Era necessário substituir Judas, recompor o grupo dos doze, mas também não deveriam ter mais do que isso. Aqui os apóstolos são os líderes da igreja, e o número doze talvez fosse para Lucas importante, simbolizando os patriarcas e as tribos do Antigo Testamento. Assim, toda a nação estaria representada nos doze, e ninguém poderia ser apóstolo fora desse grupo fechado de Jerusalém.
            Segundo os critérios de Lucas, só podia ser apóstolo alguém que vivera com Jesus e os demais apóstolos desde o começo do ministério de Jesus. Assim, vemos que no livro de Atos, que tanta ênfase dá à trajetória de Paulo, o seu título apostólico não era reconhecido. Paulo não viu Jesus, podia ser pregador, missionário, mas nunca um apóstolo. O objetivo do apostolado em Atos é testemunhar a respeito da ressurreição de Jesus. Eles não eram necessariamente missionários, enviados como sugere a palavra “apóstolo”. Por isso tinham que conhecer o Jesus humano e o Jesus glorificado, para que seu testemunho de que ele morreu e ressurgiu fosse digno de confiança. Outra vez, Paulo está desqualificado. Algumas características que impediam Paulo de ser um apóstolo:
1. Paulo nunca viu Jesus nem andou com os doze apóstolos, e isso desqualifica sua pregação que é indireta e o impede de ser um apóstolo autorizado na opinião de alguns;
2. Paulo fora fariseu e perseguidor da igreja, seu passado condenável preocupava parte dos cristãos primitivos;
3. Paulo prega uma fé separada do judaísmo que os apóstolos e até Jesus seguiram, e isso é um nítido afastamento das origens do movimento;
4. Paulo cria divisão nas sinagogas ao atrair os simpatizantes gentios, e como seu trabalho causa tanta discórdia, talvez não seja um trabalho benéfico.
            Em (2 Co-12:1-10) é nítido a presença de pregadores judeus denominados por Paulo de” superapóstolos”. Ao que parece Paulo para se defender, precisou “gloriar-se” e teve que apelar para revelações transcendentais a fim de que não ficasse atrás desses oponentes. (2 Co-12:1-10) [16]é então um relato de viagem celestial extática que Paulo faz em estilo apocalíptico para provar que não deve nada aos seus rivais competidores quanto as experiências sobrenaturais.
            Para aquilo que me foi proposto para este trabalho com relação à ligação de (At-9:1-9) com (2 Co-12:1-10), minha hipótese é que Paulo está contando sua experiência de conversão, neste caso teríamos a narração direta de quem viveu a experiência, e agora a relata com riqueza de detalhes, sabemos que a referência cronológica citada por Paulo “há catorze anos” não liga cronologicamente o episódio de Atos com o de 2 Co:12. Segundo[17]Helmut Koester, Paulo se convertera em 35 d.C., e o texto de 2coríntios 12 deve ser datado em 54 d.C. Consequentemente faltam alguns anos para que liguemos a conversão de Paulo à carta.
            Saulo distingue bem o acontecimento do caminho de Damasco, aparição do Ressuscitado, (1 Co-9:1; e 15:8) das revelações que teve depois (At-16:9; 18:9; 23:11). Por isso defendo minha hipótese de Saulo está relatando sua experiência de conversão, pois ele não citaria algo que ocorreu há catorze anos se isso não tivesse sido algo que marcara sua vida.    

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