segunda-feira, 29 de julho de 2019

O DEUS QUE DANÇA

                                               O DEUS QUE DANÇA


A clássica obra “Assim Falou Zaratustra, um Livro para Todos e para Ninguém” (Also Sprach Zarathustra, Ein Buch für Alle und Keinen, 1883-85), do filósofo alemão Friederich Nietzsche(1844-1900), é um instigante discurso filosófico em forma poética, com trechos ricos sobre a vida e os propósitos do homem (o “super-homem”), e com máximas como a famosa “Deus está morto” (não o Deus verdadeiro, como disse Osho, para quem Nietzsche foi o maior filósofo da história, mas “o Deus inventado pela mente humana”). No trecho abaixo, da primeira parte, capítulo “Ler e Escrever”, Nietzsche encarapuça o sábio Zaratustra, ou Zoroastro, em forma nova, evoluída, devoto incondicional da verdade, e discorre a respeito do fardo da vida, do conceito de felicidade e da leveza do Deus que dança, e que mata seu demônio pessoal, que é “sério, grave, o espírito do pesadelo”.
Segue o trecho do capítulo, que pode ser lido na íntegra neste link.
“Vós dizeis-me: “A vida é uma carga pesada”. Mas, para que é esse vosso orgulho pela manhã e essa vossa submissão, à tarde?
A vida é uma carga pesada; mas não vos mostreis tão contristados. Todos somos jumentos carregados.
Que parecença temos com o cálice de rosa que treme porque o oprime uma gota de orvalho?
É verdade: amamos a vida não porque estejamos habituados à vida, mas ao amor.
Há sempre o seu quê de loucura no amor; mas também há sempre o seu quê de razão na loucura.
E eu, que estou bem com a vida, creio que para saber de felicidade não há como as borboletas e as bolhas de sabão, e o que se lhes assemelhe entre os homens.
Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas, é o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções.
Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar.
E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e solene: era o espírito do pesadelo. Por ele caem todas as coisas.
Não é com cólera, mas com riso que se mata. Adiante! matemos o espírito do pesadelo!
Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar; por conseguinte não quero que me empurrem para mudar de sítio.
Agora sou leve, agora vôo; agora vejo por baixo de mim mesmo, agora salta em mim um Deus”.
Assim falava Zaratustra.”
~ Friedrich Nietzsche, em “Assim Falou Zaratustra” (capítulo “Ler e Escrever”)

Gostaria de comentar um trecho de Assim falou (ou falava – há traduções e traduções) Zarathustra, de Friedrich Nietzsche
“É verdade: amamos a vida não porque estejamos acostumados a viver, mas porque estamos acostumados a amar.
(esse trecho é interessante porque defende a ideia de que tudo o que fazemos, fazemos por nós. Se eu ajudo uma velhinha a atravessar a rua, fiz porque espero uma recompensa – paraíso eterno, ser bem visto na sociedade – ou porque isso me faz bem. Posso até estar ajudando a velhinha, mas no fundo no fundo, estou fazendo por mim, para que eu me sinta melhor e me encontre em uma posição melhor que a atual. Voltando ao texto..)
[…]Há sempre o seu quê de loucura no amor, mas também há sempre o seu quê de razão na loucura. E eu, que estou bem com a vida, creio que para saber de felicidade não há como as borboletas e as bolhas de sabão, e o que se lhes assemelha entre os homens.
(Veja bem.. o que as bolhas de sabão têm de mais característico? Elas voam, flutuam pelo ar (não, flutuam na terra ¬¬¨ hahahaha) sem rumo algum, até desaparecerem. As borboletas, de alguma maneira, são as coisas voadoras mais sublimes, bonitas e suaves durante seu voo. Voltando ao texto..)
[…]Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas, é o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções.
Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar.
E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e solene: era o espírito do pesadume!
Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar; portanto não quero que me empurrem para mudar de lugar.
Agora sou leve, agora vôo, agora vejo a mim mesmo por baixo de mim, agora dança em mim um Deus”
Assim falou Zaratustra.
Texto extraído do livro “Assim falou Zaratrusta”, Friedrich Nietzsche, capítulo “Do ler e escrever”.

Livro citado, impresso pela editora Vozes.

Ora, exaltar aquilo que é leve e flutua – bolhas de sabão e borboletas – e dizer que só poderia crer num deus que soubesse dançar.. Nietzsche claramente – ou não tão claramente assim – está defendendo a ideia da vida leve, da vida que não é pesada, da vida que não possui fardos a serem carregados.
REPORT THIS AD

E quando se vê o próprio demônio – o que há de ruim em nós – e ele se parece pesado, Nietzsche está falando da moral cristã da sociedade ocidental. O cristianismo – esse platonismo para o povo – é a moral decadente, é a própria décadence par excellence. Decadência por que? Porque é a moral dos fracos, oprimidos e desgraçados. Não se exalta a vida, mas a desgraça. Não se exalta o viver e o gozar a vida, mas sim o não viver, o não gozar a vida.. de fato, o cristianismo ensina a negar a vida e tudo o que é natural em prol de uma vida além-mundo.
Quando se separou o conceito de Natureza do conceito de Deus, tudo foi por água abaixo! E então tudo o que é natural passou a ser negado e abominado em nome de deus, que não está na natureza e nem é natural, mas está além-mundo.

Uma boa tradução de uma obra icônica e obrigatória a todos que querem entender porque a moral cristã é nociva à sociedade.

O cristianismo tornou impossível a crença em deus. Ou como Nietzsche mesmo disse em O Anticristo no aforismo 47 em bom, claro e distinto latim: Deus qualem Paulus creavit, dei negatio. O que significa mais ou menos que o Deus, tal qual Paulo inventou, é a negação de deus. Paulo aqui é o apóstolo que funda a igreja católica e etc.
Eu só poderia crer num deus que fosse leve, que não tivesse moral que me impedisse de viver, um deus que soubesse dançar.. que não fosse duro feito pedra, estático feito montanhas.. mas que fosse um eterno devir, um eterno vir-a-ser, um eterno movimento.. uma eterna DANÇA. Daí que Nietzsche vai opor Apolo e  Dionísio. Apolo é o deus da razão, da dureza, do certo, da retidão.. Dionísio é o deus da embriaguez, do movimento, da bagunça, do caos, da leveza, da dança..
“É preciso ter o caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante..” Assim Falou Zarathustra
E agora, meus amigos, dança em mim mesmo um Deus 😉
PUBLICIDADE
Anúncios
REPORT THIS AD

12 comentários em “Eu só poderia crer num deus que soubesse dançar.

  1. José Régio, poeta portugues do início do século XX provavelmente não tenha conhecido as contribuições de Nietzsche para a filosofia ocidental mas grosseiramente falando pode-se observar muita semelhança entre os pensamentos. Realmente as reflexões do teu texto permite que se observe com muita clareza as ideias do filósofo, contribuindo para que se repense toda a moralidade à qual estamos atrelhados. Apesar de eu ainda não ter lido Nietzsche da forma que se propõe para um licenciado em filosofia penso que pra todos os efeitos suas ideias são, de fato, uma renovação da estrutura moral muito diferente de tudo que se falou sobre ética em toda tradição filosófica. Concordando com suas sábias palavras, eu preciso me livrar dos fardos e grilhões da moralidade cristã e permitir que esse deus dance em mim

Nenhum comentário:

Postar um comentário