terça-feira, 2 de julho de 2019

Não sou calvinista nem arminiano,sou bíblico

                                   NEM CALVINISTA,NEM ARMINIANO,SOU BÍBLICO


NÃO SOU ARMINIANO E NEM CALVINISTA, SOU BÍBLICO
V

Existe uma visão falaciosa de que se identificar com determinado sistema soteriológico torna a pessoa menos bíblica ou até mesmo seguidora de homens.O presente texto se preocupa em elucidar as questões que envolvem o assunto. A alegação de que ser arminiano ou calvinista é deixar de ser bíblico para lançar mão de interpretações humanas é uma falácia lógica. 
                                       Introdução

Atualmente existem muitas pessoas que hesitam em se posicionar soteriologicamente. A principal frase que temos ouvido no evangelicalismo brasileiro sobre essa hesitação é que, “não sou arminiano e nem calvinista, sou bíblico.Essa frase constitui uma falácia lógica e apresentar as razões pelas quais ela está equivocada. Para tanto, daremos uma olhada no conceito de falácia lógica e mostraremos que o texto bíblico usado para defender essa ideia, também acaba recaindo numa falácia, pois é utilizado fora de seu sentido original e fora de seu contexto.
Ser arminiano ou calvinista não implica em seguir integralmente as ideias dos teólogos que levam seus nomes, a saber, Jacó Armínio e João Calvino, mas sim na identificação da interpretação envolvida na relação criação – queda – redenção.


Desconstruindo a falácia lógica
Antes de prosseguirmos, é importante explicar o significado da expressão “falácia lógica.”
Falácia é “uma forma de raciocínio que parece correto, mas que, quando examinada cuidadosamente, não o é.” Trata-se de uma ideia aparentemente bem construída, com fundamentações e delineações. Entretanto, algo de errado está inserido em meio ao raciocínio ou à conclusão. A análise dos postulados, das premissas, das evidências, fundamentações e até mesmo da dedução pode desconstruir a ideia que aparenta ter veracidade.
Lógica,que remonta à Grécia Antiga. Cunha e Machado explicam que a lógica tem origem com Aristóteles, entre os séculos IV e V a.C., além de ser usada pelos filósofos a fim de analisar quais argumentos eram bons e quais eram ruins e, assim, persuadir o outro lado a mudar de ideia.Partindo desse pressuposto analítico, a lógica passou a ser “um instrumento para raciocinar e para preservar a consistência.”[6] Em contrapartida, raciocinar é o ato de se ocupar com “o processo de compreender, revisar ou reforçar suas crenças.”
A lógica, portanto, é a ferramenta que usamos para buscar a compreensão, a revisão ou o reforço de nossas ideias a fim de verificar se há ou não consistência em alguma premissa. Essa verificação pode ser realizada através da dedução (conclusões obtidas através de premissas), indução (conclusões que podem ir além das premissas), teoria de modelos (comparações com modelos hipotéticos) e metateoria (são as provas a respeito das provas).
De uma forma mais simples, a falácia lógica nada mais é do que uma conclusão que foi obtida através da verificação dedutiva, indutiva, comparativa hipotética e/ou metateórica a respeito de alguma ideia ou crença. A conclusão parece estar correta, mas quando é examinada com mais cautela, pode-se perceber seus erros e fraquezas. 
Falácia lógica ignora os fatores condicionadores e confunde-os com aquilo que é essencial.
É o caso da afirmação “não sou arminiano e nem calvinista, sou bíblico.” Num primeiro momento ela transparece piedade, obediência à Palavra de Deus e um retorno ao princípio reformado Sola Scriptura. Entretanto, ela não passa de um equívoco sobre o que é ser arminiano ou calvinista e também do que é ser bíblico.
A primeira questão a ser analisada é: as soteriologias arminiana e calvinista não são bíblicas? A pergunta nasce da própria conclusão da afirmação de que não sou nem um nem outro, “sou bíblico.” Essa afirmativa já aponta que os dois sistemas em questão não são bíblicos e acaba assumindo uma postura de arrogância. 
Mas, o que é ser bíblico? Algo que muitos confundem é achar que para ser bíblico é preciso haver uma conformidade literal com as Escrituras no uso de terminologias e nomenclaturas. Essa postura não é “bíblica” e sim “biblicista.(é o nome que se dá à insistência de usar a Bíblia para solucionar todos os problemas teológicos, morais e filosóficos, ou, pelo menos, o uso da Bíblia para determinar o valor da verdade que há nessas questões.
Se o biblicismo fosse verdadeiro, então termos muito comuns nas homilias cristãs deveriam ser anatematizadas, tais como Trindade, pecado original, onipotência, onipresença, onisciência, providência, graça comum, etc. 
E até mesmo questões morais e jurídicas, tais como masturbação, suicídio, legítima defesa, roubo e furto, etc. 
A liturgia cristã também deveria ser totalmente revisada, afinal, instrumentos como baterias, guitarras, contrabaixos e outros não se encontram nas Escrituras. 
O púlpito não é algo usado pelos primeiros cristãos, aparelhagens de som, microfones e até mesmo data-shows deveriam ser eliminados dos cultos, pois não estão nas orientações cúlticas do novo testamento. 
Outrossim, haveria um enorme problema quanto à não proibição do uso de drogas, visto que não há nenhuma referência bíblica a esse respeito.
Ser bíblico, portanto, não é usar literalmente as expressões oriundas da Bíblia e sim estar em harmonia com os ensinos dela. Embora a palavra Trindade não ocorra nas Escrituras, seu significado está presente em todo o livro sagrado. O mesmo ocorre com as expressões teológicas usadas no parágrafo anterior, bem como os termos de cunho moral e jurídico e com as questões litúrgicas. Bíblico, conforme qualquer dicionário da língua portuguesa, significa algo proveniente da Bíblia ou relativo a ela.
Diante disso, as soteriologias arminiana e calvinista não seriam bíblicas?  
Elas se preocupam em trabalhar a criação, a queda e a redenção, a partir daquilo que as Escrituras revelam. 

Em sua obra História das controvérsias da teologia cristã, o Dr. Roger Olson propõe uma abordagem mediadora. Trata-se de uma superação das diferenças desnecessárias e desastrosas entre perspectivas e interpretações doutrinárias. Isso é algo completamente inerente ao debate soteriológico arminianismo x calvinismo. A abordagem mediadora é um esforço para buscar a unidade da fé e uma base comum partilhada por diferentes grupos cristãos. Por isso, ele pergunta: “todos os cristãos deveriam partilhar de certas convicções? Existe, por acaso, um conjunto doutrinário básico que define o cristianismo autêntico em termos de conteúdo? Ou será que qualquer pessoa pode declarar-se autenticamente cristã e, não obstante, crer no que sua mente ou vontade consideram aceitável?”[12]

A boa teologia deve nos conduzir ao reconhecimento daquele que é adorado. Nossa postura deve ser de reverência, temor e dedicação diante de Deus. O estudo teológico não é um fim em si mesmo, mas deve aprimorar nossa relação com o Altíssimo, caso contrário não passará de mero conhecimento intelectual. Martin Lloyd-Jones foi feliz em seu comentário: “o grande perigo é tornar a teologia um tema abstrato, teórico, acadêmico. Ela jamais pode ser isso, porque é conhecimento de Deus".[15] Desta forma, o conhecimento jamais deve ser objeto de arrogância, soberba, vaidade ou orgulho. Paulo disse que, “se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber” (1 Co 8.2). Precisamos assumir uma postura humilde e jamais de donos da verdade.


Normalmente, as pessoas que encontram dificuldade em assumir um posicionamento teológico na área de soteriologia, alegam que não seguem a homens e sim a Jesus Cristo. Uma das principais fundamentações para esse posicionamento de repúdio relacionado ao arminianismo e/ou ao calvinismo é o texto paulino de 1 Coríntios 1.11-13: 
“Meus irmãos, fui informado por alguns da casa de Cloe de que há divisões entre vocês. Com isso quero dizer que cada um de vocês afirma: ‘Eu sou de Paulo’; ‘eu de Apolo’; ‘eu de Pedro’; e ‘eu de Cristo’. Acaso Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vocês? Foram vocês batizados em nome de Paulo?”
Essa referência bíblica não serve para defender a falácia lógica tratada no presente artigo. Vejamos o porquê: Paulo começa a epístola dizendo que na comunidade de Corinto havia todos os dons espirituais (1 Co 1.7). Esses dons estão relatados na mesma epístola no capítulo 12. Entretanto, essa comunidade não podia ser chamada de espiritual e sim de carnal, pois havia divisão nela. Uns preferiam as pregações de Paulo, outros preferiam as mensagens de Apolo e havia um terceiro grupo que se identificava mais com Pedro. Mas, havia um quarto grupo. Este grupo pode parecer mais piedoso que os demais e, aparentemente, eles eram mais cristocêntricos que os demais, porém, todos são tratados como imaturos (1 Co 3.1-6)

Embora o quarto grupo pareça ser cristocêntrico, na verdade eles eram tão problemáticos quanto os anteriores. Isso se dava porque este grupo não se submetia a nenhuma autoridade. Eles não são seguidores de homens, portanto, a liderança de Paulo, de Pedro, de Apolo, ou de qualquer outra pessoa não servia. Eles se submetiam apenas a Jesus. 
Esse discurso, aparentemente piedoso, não passava de uma falácia. A insubmissão não encontra lugar no pensamento paulino: “Agora lhes pedimos, irmãos, que tenham consideração para com os que se esforçam no trabalho entre vocês, que os lideram no Senhor e os aconselham. Tenham-nos na mais alta estima, com amor, por causa do trabalho deles.” (1 Ts 5.12,13). O autor da carta aos hebreus também disse: “Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem deve prestar contas. Obedeçam-lhes, para que o trabalho deles seja uma alegria e não um peso, pois isso não seria proveitoso para vocês” (Hb 13.17).
Outra observação importante é a de que Paulo lida com todos os quatro grupos chamando-os de “crianças.Esse termo é humilhante. Trata-se de uma exortação acerca da imaturidade dos mesmos. Desta forma, todos os facciosos eram imaturos, não passavam de crianças que não estavam glorificando a Deus. A infantilidade dos quatro grupos era tão grande que Paulo alega não poder dar um alimento mais sólido. Ele está fazendo uso de uma metáfora para dizer que não pode tratar de doutrinas mais profundas, pois eles a imaturidade deles clama por um alimento mais leve e básico, isto é, as doutrinas rudimentares da fé cristã.
Desta forma, parafrasear que não somos de Paulo, Pedro, Apolo, Armínio ou Calvino, a fim de defender, com base no texto de 1 Coríntios 1.12, que tal pessoa é seguidora de Cristo apenas e que não segue os ensinos de nenhum outro mestre, configura um erro duplo: exegético e histórico-teológico. O erro exegético já foi exposto.

Considerações finais
Afirmar não ser arminiano e nem calvinista, sob o pretexto de que é bíblico, configura uma falácia lógica. A frase pode até parecer piedosa e resgatadora da bibliocentrocidade. Todavia, conforme já foi analisado, os sistemas soteriológicos arminiano e calvinista não são bíblicos, é usada uma falácia para defender a falácia analisada. Trata-se de dizer que não somos de Paulo, nem de Pedro, nem de Apolo, nem de Armínio e nem de Calvino, mas de Cristo. Esta falácia também foi analisada e chegamos à conclusão de que o texto bíblico que embasa esse argumento é utilizado de maneira equivocada, pois os de Cristo eram tão facciosos quanto os três grupos anteriores.
Concluímos, ainda, que ser arminiano ou calvinista não se trata de ser um seguidor integral de todos os pontos de vista dos teólogos que representam esses sistemas, a saber, Jacó Armínio e João Calvino. Dizer que não se segue o arminianismo por causa de Armínio é outra falácia que foi desconstruída, haja vista outros pontos doutrinários que foram construídos por pessoas altamente importantes no cristianismo histórico, tais como Tertuliano, Cirilo de Alexandria Agostinho e William Durham, dentre vários outros que não foram mencionados no presente artigo.


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