segunda-feira, 29 de julho de 2019

UM DEUS QUE DANÇA

                                              UM DEUS QUE DANÇA


Sei muito bem que o verbo "dançar" é forte e pra uma parte da atual geração evangélica um verbo pejorativo,por isso quero não redefinir,mas buscar o significado original do verbo dançar que é " movimento".

A religião pintou um "deus" não como um pai que se abraça com seus filhos e brinca,mas um "deus " como um avô senil,sentado,de barba branca que fica meio que bobo com as peripécias dos seus netos e que nada faz...

Friederich Nietzsche foi um homem incrível e por sua audácia em criticar a religião da sua época,foi mal entendido,quando na verdade ele não aceitava os conceitos humanos de Deus,que criaram um "deus" estático,pesado,inerte e ele defendia um Deus que se movimenta e a esses movimentos ele chama de "dança".

Nossa forma cristã de viver e servir (adorar) a Deus é de conformidade com o conceito que temos ou criamos de Deus,se o nosso Deus é estático,é inaceitável qualquer movimento em nossa adoração,em nossa função sacerdotal,definida como pesada por nós,eu diria preguiçosa,sem alegria,sem felicidade,como um fardo,o que caracteriza que somos religiosos(engessados) em nosso relacionamento com Deus(não estou aqui defendendo "ré-té-té ),um relacionamento com o espirito de pesadelo.

Creio que nenhum homem tem a pureza da borboleta em seus leves movimentos,mostrando-nos o que deveria ser a vida se é que temos um Deus que se movimenta,como diz Nietzsche:"Como sei andar,eu corro,como sei correr eu vôo,vivendo sem que ninguém me empurre,vendo a vida por baixo  de mim mesmo,e Deus salta em mim".

Quando leio uma frase desta,fico a pensar:quem vivia um relacionamento verdadeiro com Deus: a igreja ou Nietzsche?

Nesta frase Nietzsche mostra que vivemos uma vida de pesos e estática,porque sempre queremos recompensas,para alguns até a salvação é uma recompensa por eu "crer",e esquecem que esse "crer" é um dom,logo nem deles é,mas a soberba de querer recompensa até na salvação pintam um "deus estático",um "avô senil" sentado e tudo que faço,faço por mim e quando faço,pois na maioria o meu conceito do "deus estático" modela minha vida e assim sou também estático na minha forma sacerdotal de ser.

Somos um sacerdote exercendo uma "disfunção",pois não fazemos para agradar a Deus,para nos agradar e não estamos nem ai para o que Deus quer,pois buscamos nossas satisfações.

O espirito de "pesadume" que envolve a religião é algo muito sério,grave,pois o fardo de Jesus é leve,mas parece-nos pesado e faz do nosso culto tanto no templo como fora dele algo sem sal,amargo e pesado.

Se Deus não é estático como deveríamos exaltá-lo?De forma estática?
Creio que as borboletas são um bom exemplo de como deveria ser nosso serviço a Deus:um vida cristã leve,alegre e sem fardos.Uma exaltação que visse quem Deus é e não apenas o que somos.Nossa adoração é uma decadência por causa do deus que pintamos,que oprime,que desgraça a vida  dos homens e não um Deus cheio de graça e amor.

Nessa foto que postei,mostra o que aconteceu ontem em nossa igreja:
Um Deus que resgata jovens com um passado de abusos sexuais,de envolvimento com tráfico de drogas,com o homossexualismo,o lesbianismo,transforma-os e os chama para missões.Foram quase 100 jovens que atenderam a convocação e não mediremos esforços para enviá-los.

Enquanto para muitos "deus morreu" ( para Nietzsche morreu o deus pintado pela religião),Deus está ativo,movimentando-se.Há quem afirme em sua loucura,que satanás está ativo ( tenho que sorrir ),mas ele não passa de uma marionete e realiza o que Deus decretou que seja feito para que os planos divinos se concretizem....

Amados(as) Deus movimentou-se ontem em nossa igreja com o chamado desses jovens,aliás em toda história Ele se movimenta,mas a noiva o acha um noivo avô senil,mas esse não é o nosso noivo e o mesmo quer sua sua noiva "se movimente" e acompanhe seus movimentos.

Essa visão teísta do cristianismo tornou a adoração fria é gélida,sem relacionamento,onde o cristianismo tornou impossível a crença em Deus.

Irmãos (ãs) ontem fui impactado com o que Deus faz,com o que Deus decreta que aconteça e aquilo que parece não ter mais jeito,em um movimento

O DEUS QUE DANÇA

                                               O DEUS QUE DANÇA


A clássica obra “Assim Falou Zaratustra, um Livro para Todos e para Ninguém” (Also Sprach Zarathustra, Ein Buch für Alle und Keinen, 1883-85), do filósofo alemão Friederich Nietzsche(1844-1900), é um instigante discurso filosófico em forma poética, com trechos ricos sobre a vida e os propósitos do homem (o “super-homem”), e com máximas como a famosa “Deus está morto” (não o Deus verdadeiro, como disse Osho, para quem Nietzsche foi o maior filósofo da história, mas “o Deus inventado pela mente humana”). No trecho abaixo, da primeira parte, capítulo “Ler e Escrever”, Nietzsche encarapuça o sábio Zaratustra, ou Zoroastro, em forma nova, evoluída, devoto incondicional da verdade, e discorre a respeito do fardo da vida, do conceito de felicidade e da leveza do Deus que dança, e que mata seu demônio pessoal, que é “sério, grave, o espírito do pesadelo”.
Segue o trecho do capítulo, que pode ser lido na íntegra neste link.
“Vós dizeis-me: “A vida é uma carga pesada”. Mas, para que é esse vosso orgulho pela manhã e essa vossa submissão, à tarde?
A vida é uma carga pesada; mas não vos mostreis tão contristados. Todos somos jumentos carregados.
Que parecença temos com o cálice de rosa que treme porque o oprime uma gota de orvalho?
É verdade: amamos a vida não porque estejamos habituados à vida, mas ao amor.
Há sempre o seu quê de loucura no amor; mas também há sempre o seu quê de razão na loucura.
E eu, que estou bem com a vida, creio que para saber de felicidade não há como as borboletas e as bolhas de sabão, e o que se lhes assemelhe entre os homens.
Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas, é o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções.
Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar.
E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e solene: era o espírito do pesadelo. Por ele caem todas as coisas.
Não é com cólera, mas com riso que se mata. Adiante! matemos o espírito do pesadelo!
Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar; por conseguinte não quero que me empurrem para mudar de sítio.
Agora sou leve, agora vôo; agora vejo por baixo de mim mesmo, agora salta em mim um Deus”.
Assim falava Zaratustra.”
~ Friedrich Nietzsche, em “Assim Falou Zaratustra” (capítulo “Ler e Escrever”)

Gostaria de comentar um trecho de Assim falou (ou falava – há traduções e traduções) Zarathustra, de Friedrich Nietzsche
“É verdade: amamos a vida não porque estejamos acostumados a viver, mas porque estamos acostumados a amar.
(esse trecho é interessante porque defende a ideia de que tudo o que fazemos, fazemos por nós. Se eu ajudo uma velhinha a atravessar a rua, fiz porque espero uma recompensa – paraíso eterno, ser bem visto na sociedade – ou porque isso me faz bem. Posso até estar ajudando a velhinha, mas no fundo no fundo, estou fazendo por mim, para que eu me sinta melhor e me encontre em uma posição melhor que a atual. Voltando ao texto..)
[…]Há sempre o seu quê de loucura no amor, mas também há sempre o seu quê de razão na loucura. E eu, que estou bem com a vida, creio que para saber de felicidade não há como as borboletas e as bolhas de sabão, e o que se lhes assemelha entre os homens.
(Veja bem.. o que as bolhas de sabão têm de mais característico? Elas voam, flutuam pelo ar (não, flutuam na terra ¬¬¨ hahahaha) sem rumo algum, até desaparecerem. As borboletas, de alguma maneira, são as coisas voadoras mais sublimes, bonitas e suaves durante seu voo. Voltando ao texto..)
[…]Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas, é o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções.
Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar.
E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e solene: era o espírito do pesadume!
Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar; portanto não quero que me empurrem para mudar de lugar.
Agora sou leve, agora vôo, agora vejo a mim mesmo por baixo de mim, agora dança em mim um Deus”
Assim falou Zaratustra.
Texto extraído do livro “Assim falou Zaratrusta”, Friedrich Nietzsche, capítulo “Do ler e escrever”.

Livro citado, impresso pela editora Vozes.

Ora, exaltar aquilo que é leve e flutua – bolhas de sabão e borboletas – e dizer que só poderia crer num deus que soubesse dançar.. Nietzsche claramente – ou não tão claramente assim – está defendendo a ideia da vida leve, da vida que não é pesada, da vida que não possui fardos a serem carregados.
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E quando se vê o próprio demônio – o que há de ruim em nós – e ele se parece pesado, Nietzsche está falando da moral cristã da sociedade ocidental. O cristianismo – esse platonismo para o povo – é a moral decadente, é a própria décadence par excellence. Decadência por que? Porque é a moral dos fracos, oprimidos e desgraçados. Não se exalta a vida, mas a desgraça. Não se exalta o viver e o gozar a vida, mas sim o não viver, o não gozar a vida.. de fato, o cristianismo ensina a negar a vida e tudo o que é natural em prol de uma vida além-mundo.
Quando se separou o conceito de Natureza do conceito de Deus, tudo foi por água abaixo! E então tudo o que é natural passou a ser negado e abominado em nome de deus, que não está na natureza e nem é natural, mas está além-mundo.

Uma boa tradução de uma obra icônica e obrigatória a todos que querem entender porque a moral cristã é nociva à sociedade.

O cristianismo tornou impossível a crença em deus. Ou como Nietzsche mesmo disse em O Anticristo no aforismo 47 em bom, claro e distinto latim: Deus qualem Paulus creavit, dei negatio. O que significa mais ou menos que o Deus, tal qual Paulo inventou, é a negação de deus. Paulo aqui é o apóstolo que funda a igreja católica e etc.
Eu só poderia crer num deus que fosse leve, que não tivesse moral que me impedisse de viver, um deus que soubesse dançar.. que não fosse duro feito pedra, estático feito montanhas.. mas que fosse um eterno devir, um eterno vir-a-ser, um eterno movimento.. uma eterna DANÇA. Daí que Nietzsche vai opor Apolo e  Dionísio. Apolo é o deus da razão, da dureza, do certo, da retidão.. Dionísio é o deus da embriaguez, do movimento, da bagunça, do caos, da leveza, da dança..
“É preciso ter o caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante..” Assim Falou Zarathustra
E agora, meus amigos, dança em mim mesmo um Deus 😉
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12 comentários em “Eu só poderia crer num deus que soubesse dançar.

  1. José Régio, poeta portugues do início do século XX provavelmente não tenha conhecido as contribuições de Nietzsche para a filosofia ocidental mas grosseiramente falando pode-se observar muita semelhança entre os pensamentos. Realmente as reflexões do teu texto permite que se observe com muita clareza as ideias do filósofo, contribuindo para que se repense toda a moralidade à qual estamos atrelhados. Apesar de eu ainda não ter lido Nietzsche da forma que se propõe para um licenciado em filosofia penso que pra todos os efeitos suas ideias são, de fato, uma renovação da estrutura moral muito diferente de tudo que se falou sobre ética em toda tradição filosófica. Concordando com suas sábias palavras, eu preciso me livrar dos fardos e grilhões da moralidade cristã e permitir que esse deus dance em mim

sexta-feira, 26 de julho de 2019

1 Coríntios 11:10 " Por causa dos anjos..."

             "POR CAUSA DOS ANJOS" ( 1 CORINTIOS 11:10 )


           "διά τοΰτο ὀφείλε η γυνή εξουσίαν έγειν επί της κεφαλής διά τούς αγγέλους."

Quando Judas trata da "estranha carne" dos anjos,temos um grande problema à nossa frente,e esse recado de Paulo à Igreja de Corinto,torna o problema ainda maior.

Quando lemos Gênesis 19,o problema que já é problema,torna ainda mais problemático,pois surge aqui a possibilidade do pecado da homossexualidade.Num contra ponto na proposta revisionista de que o pecado de Sodoma e Gomorra foi numa falta de   hospitalidade,e certamente esse não foi o pecado dessas duas cidades,porém,qual foi esse pecado?

Quando vamos ler Judas numa ótica "enoquina"(já que a citação do autor é do livro de Enoque,usando-o como chave hermenêutica para compreender a carta de Judas no que abrange a questão dos anjos impenitentes em comparação com o incidente de Sodoma e Gomorra.

É clara a influência dos apócrifos na vida dos primeiros cristãos,segundo o achado de novos dos manuscritos do Mar Morto nas cavernas de Khirbet Qumran. Muito tem sido dito sobre as experiências extático--visionárias de Paulo, e como elas tem sido influenciadas pela cosmovisão apocalíptica de então.(O misticismo apocalíptico do apóstolo Paulo de Machado)

O tema está ligado profundamente ao texto que citamos no post 1 Coríntios 11:10 e Judas 6-7.

Nestes textos há uma possibilidade grande de uma sexualidade dos anjos e no texto de Coríntios de que os cabelos esvoaçantes das mulheres incitam os anjos ao pecado,numa comparação curiosa com Sodoma e Gomorra,sendo este descrito como uma relação ilícita,ou seja "buscar uma carne estranha"

Nos dos versículos de Judas,Gênesis 6:1-4 e 1 Coríntios 11:10 está o objeto do nosso estudo.

Não sabemos em que contexto,Paulo faz a recomendação à mulheres,pois se fosse apenas cultural,não haveria a necessidade de citar "anjos" na recomendação quando a mulher orasse ou profetizasse (versículo 4),sendo necessário também o veu como sinal de submissão ao marido.Sabemos que culturalmente isso é completamente compreendido,pois em Corinto o não uso era ser colocada na posição de prostitutas que "emancipadas" não usavam,as na recomendação Paulo acrescenta outra razão:" os anjos",mas Paulo não nos explica o porque,porém como teólogos precisa ver as possibilidades,comparando com outras textos:

1.) A primeira interpretação, e que deve ser rejeitada, é aquela que assevera que este versículo é uma glosa ou interpolação, feita por escribas posteriores, como se não fosse de autoria paulina. Não existe um único manuscrito que dê mostras de evidências em favor dessa idéia; antes, todas as tradições textuais o preservam. E um interpolador bem provavelmente teria o cuidado de deixar bem claro o que queria dizer. Paulo, entretanto, parece ter suposto que os seus leitores estavam familiarizados com a idéia aqui injetada, por mais escura que ela nos possa parecer.

2.) Alguns supõem que o termo «.. .anjo...»(que significa «mensageiro», no original grego), é novamente aqui usado para indicar os «ministros da Palavra», os pastores (Ambrósio), os presbíteros (Efraem) ou o clero em geral (Primásio). Provavelmente não era isso que Paulo queria dar a entender aqui; e poucos eruditos modernos vêem qualquer razão nessa interpretação.

3.) Alguns estudiosos antigos, como Tertuliano (De virg. vol. vii, xvii) acreditavam que estão em foco os «anjos maus», e que os mesmos, observando mulheres sem véu, poderiam ser tentados a algum ataque de natureza sexual. Em apoio a essa noção, ver Gên. 6:1,2; Testamento dos Doze Patriarcas (Ruben v.6), Livro dos Jubileus (iv. 15,22) e Teodoto (frag. 44). Ê noção antiga que os seres angelicais malignos possuem funções sexuais, podendo ter relações sexuais com as mulheres. E ainda se pensava que assim foram produzidos os gigantes ou outros seres estranhos entre o gênero humano. Ainda que esse fosse o sentido de Gên. 6:1,2, e esse é um aspecto intensamente disputado nessa passagem, tal idéia parece absurda. Outrossim, poder-se-ia perguntar: «A única ocasião em que tais seres podem ser tentados a assaltar sexualmente as mulheres é quando elas não estão de véu na igreja?» E também: «Tal tentação pode ser afastada somente porque as mulheres usam um véu?» Essas indagações parecem fatais para essa teoria, por mais bem confirmada que ela apareça na literatura antiga, que testifica a existência de tal noção.

4,)  Alguns poucos eruditos pensam que os «anjos», neste caso, se referem aos «deputados» ou mensageiros, nomeados para procurarem esposas apropriadas para aqueles por quem eram contratados. Isso envolvia um costume judaico, sendo usado o vocábulo «anjo» para indicar tais pessoas; mas é altamente improvável que Paulo tenha feito um a alusão a tais homens, mesmo que em seus dias esse costume ainda fosse prevalente, e mesmo que tais homens costumassem freqüentar as reuniões dos cristãos primitivos, a procurarem esposas dignas para outros. (Quanto a esse costume do judaísmo ver Mishnah Kidduchin, cap. 2, secção 1).

A idéia de que os anjos mantêm tais contactos com os homens, mormente nas suas reuniões de adoração, é uma tradição judaica bem firmada, que foi transferida para o cristianismo. (Ver Sal. 138:1; I Cor. 4:9. E a passagem de Heb. 1:14, quando diz que os anjos são «espíritos ministradores», bem pode emprestar maior força a essa idéia).

«Em I Cor 4:9 ele ‘Paulo’ alude aos ‘anjos’ como espectadores interessados na conduta dos servos de Cristo; e em I Cor. 6:3 ele se refere a certos anjos que serão julgados pelos santos...de muitas e variadas maneiras esses exaltados seres são associados ao reino terreno de Deus (ver Luc. 2:13; 12:8; 15:10; Atos 1:10; Heb. 1:14; 12:22 e ss., bem como muitíssimas passagens do livro de Apocalipse). De conformidade com as crenças judaicas, os anjos aparecem como agentes da outorga da lei, em Gál. 3:19 (Atos 7:53); e em Heb. 1:7 os anjos são identificados com as forças da natureza. A mesma linha de pensamento vincula os anjos, no presente versículo, com a manutenção das leis e limites impostos quando da criação (comparar com Jó 38:7), e Paulo expressa a reverência devida aos tais conforme o seu próprio estilo, nesta alusão». 

«A casa de oração é uma corte adornada com a presença de poderes celestiais; ali estamos nós, cantando e entoando hinos a Deus, contando com os anjos entre nós, como nossos associados; e foi com alusão a eles que o apóstolo requereu tão grande cuidado, com relação à decência, por causa da presença dos anjos»

 «...por causa..(διά τούς αγγέλους.)

 Mui provavelmente essas palavras significam «para agradá-los», para não ofendê-los com uma conduta indecorosa. Alguns estudiosos interpretam essa expressão como se ela quisesse dizer «porque os anjos assim fazem», ou seja, na presença do Senhor, cobrem os seus rostos (ver Isa. 6:2). E assim também as mulheres, ao adorarem na presença de sua autoridade visível (o homem), devem cobrir a cabeça. Mas essa interpretação, a despeito de ser interessante, é menos provável do que a interpretação anterior. (Quanto à idéia que os anjos «se fazem presentes aos cultos de adoração», na literatura judaica, ver Shemot Rabba, secção 21, foi. 106.2; Zohar sobre Gênesis, foi. 97:2; e De Oratione, cap. 12).

«...trazer véu na cabeça...» Essas palavras não são uma tradução, mas antes, uma interpretação. O original grego diz, literalmente, «...essa é a razão por que uma mulher deve ter poder (ou autoridade) sobre a sua cabeça...» O vocábulo grego «eksousia» obviamente se refere ao véu; mas alguns eruditos sentem dificuldade em compreender como o véu poderia ser chamado «poder», quando o resto inteiro da passagem se refere ao véu como símbolo da idéia oposta, isto é, da «sujeição». Mas o véu se torna símbolo da «autoridade» que o marido exerce sobre a sua mulher, como também é símbolo de sua própria sujeição a ele. E esse duplo simbolismo não é difícil de ser compreendido.

Sobre o uso desse "véu" hoje não vamso comentar pois não é esse p nosso objetivo nesse post.

O texto de Judas está no mesmo contexto semântico(mesma tradição apocalíptica)que vê Gênesis 6 como prostituição ou a vida sexual transviada dos anjos,a gravidade dos seus atos e do incidente de Sodoma e Gomorra.A tradição enoquica não deve ser deixada de lado,visto que Judas a cita e no mínimo devemos levar em consideração a sua influência sobre os primeiros cristãos.

Há uma pergunta a ser feita: A homossexualidade é a falta de hospitalidade?

Há a possibilidade de uma interpretação diferente sobre o pecado de Sodoma e Gomorra, e também sobre um proposto estado assexuado dos anjos, dada a ligação intrínseca, no livro de Judas, entre o pecado sexual de Sodoma e os anjos que abandonaram o seu lugar próprio de habitação celeste

JUDAS E ENOQUE


As conexões entre o texto bíblico e a tradição enóquica têm sido exploradas e expostas por um grande número de pesquisadores. Desde o livro de Daniel até o Evangelho de Mateus,encontramos parâme-tros, motivos e interpretações que remetem ao livro de 1 Enoque.Uma linha histórica para exemplificar esse fato.,que situa a tradição no V ou VI século a.C., pouco depois de Ezequiel, e antes do próprio livro de Daniel. Os motivos semelhantes entre Enoque e Daniel (exemplificados em sua escatologia em comum e na figura do Filho do Homem), então, demonstram que, já no Antigo Testamento, há uma relação de dependência do texto que hoje é considerado canônico em relação à tradição enóquica.
Já nos primeiros escritos do Cristianismo, permanecem evidentes algumas semelhanças. A prisão de Satanás em Apocalipse 20.1-3 é reminiscente da tradição enóquica de anjos aprisionados,e a narrativa do nascimento de Jesus no livro de Mateus faz um contraponto notável entre o que deu errado na antiguidade mitológica de 1 Enoque e a esperança de restauração que vem pelo Messias redentor.
No entanto, a única referência declarada a 1 Enoque no Novo Testamento encontramos no pequeno livro de Judas. No versículo 14, é citado o nome de Enoque, “o sétimo a partir de Adão”, como um profeta.Segue uma citação literal de 1 Enoque 1.9, de maneira que um leitor observador pode vir a entender que,assim como o apóstolo Paulo cita O Antigo Testamento, Judas cita 1 Enoque como escritura autoritativa.

Uma oposição é considerada, então, entre as tradições enoquita e sadoquita, a partir do livro da Daniel, que comentaristas dizem deixar “claro que a degeneração da história é causada não pelo pecado dos anjos,mas pela transgressão da aliança mosaica pelo povo judaico”.
Em Judas, encontramos referência ao episódio do Êxodo (v.5) e à rebelião de Coré (v.11), mas nenhuma à obediência à lei. Os “falsos mestres” (v.8) são condenados na epístola por blasfêmia contra anjos, e descritos como “estrelas errantes, para os quais tem sido reservado para sempre o negrume das trevas”.A Bíblia de Jerusalém comenta que, nos apócrifos judaicos, os anjos são frequentemente simbolizados por estrelas, e Bautch diz que muitos dos textos apocalípticos que tratam de más ações dos anjos falam também de estrelas, hostes do céu e planetas desobedientes.

Assim, ao lermos “estrelas errantes” para as quais Enoque profetiza, podemos situar Judas dentro de uma tradição enóquica, na medida em que ela considera o mal como uma questão de perturbação da ordem cósmica envolvendo anjos rebeldes aprisionados e palavras de Enoque.Defendemos que uma coisa é assumir influuências de Enoque no livro de Judas como se faz comumente, e outra, diferente por inteiro, é assumir toda uma tradição enóquica da qual Judas toma parte,considerando-a como autoritativa de maneira tal que Judas utiliza o livro de 1 Enoque como relato fiel e chave hermenêutica para os acontecimentos da antiguidade relatados no livro de Gênesis.As implicações dessa afirmação — que Judas considera 1 Enoque como texto autoritativo — para o conceito de canonicidade são várias, mas não as cabe analisar no presente post

Buscamos, no entanto,averiguar as implicações do fato de Judas considerar o livro de Enoque “inspirado” o bastante para citá-lo de maneira desvelada, usando-o para a interpretação do próprio livro de Judas, em especial no que ele trata de anjos. Leiamos, então, Judas 6-7, (na versão Almeida Corrigida e Fiel)"E aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao juízo daquele grande dia; Assim como Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se entregue à fornicação como aqueles, e ido após "outra carne", foram postas, por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno"

Comentaristas falam sobre a tradição enóquica que a continuidade ideológica é garantida pela referência explícita à ideia de que a disseminação do mal e da impureza é causada pelo pecado dos anjos rebeldes (1 En 84.4;86.1-6). Como consequência do pecado angélico, a ordem da criação foi perturbada e a terra se tornou vítima das forças caóticas.

A leitura do versículo seis sugere influência enóquica sobre Judas, na medida em que encontramos uma interpretação angelical para o obscuro termo “filhos de Deus” em Gênesis 6.1 .NO Pentateuco de Moisés, lemos tão somente que estes viram que as filhas dos homens eram belas, e as tomaram por esposas. A primeira seção de 1 Enoque, (capítulos 1-36) constrói sobre essa narrativa, dizendo que os filhos de Deus são anjos, e que esse ato ilícito, aliado à revelação de segredos ocultos, culminou no aprisionamento dos anjos rebeldes.
Para o nosso post, trataremos prioritariamente o pecado sexual por parte dos anjos , pois este é priorizado, também, no livro de Judas, e aquele que tem maior conexão com o incidente de Sodoma e Gomorra. Não propomos, no entanto, ser menos importante na narrativa do Mito a revelação indevida de segredos.O livro de Judas apresenta o pecado dos anjos como o abandono de seu lugar próprio (ἴδιον οἰκητήριον ) 
Era-lhes, originalmente, reservado um lugar ideal, e um posto que lhes era devido, e sua rebeldia consiste no abandono de seus postos celestes em prol de uma diversão carnal na terra.O resultado dessa ação de abandono é outro ponto de contato entre Judas e Enoque.

Em Judas 6, aprendemos que os anjos que não se mantiveram em sua esfera celestial,sua habitação devida (cf. 1 En 15.3,7), seriam mantidos em correntes eternas, em expectativa do julgamento do grande dia. Semelhantemente, 2 Pedro 2.4 nota que Deus não poupou os anjos pecadores, mas os condenou às correntes do tártaro e os entregou para aguardarem o julgamento. Ambos estes textos do Novo Testamento parecem endividados com as tradições enóquicas concernentes à punição dos anjos.

O versículo sete, que fala da destruição de Sodoma e Gomorra, expandirá o conceito de abandono da origem/principado para além do incidente de Gênesis 6. São utilizados dois recursos para relacionarem evento e outro — a conjunção ōs, que é traduzida para “assim como”, e a expressão "ὅμοιον τρόπον ",que tem o sentido de “da mesma maneira que eles”. O pronome masculino evoca os “anjos” do versículo seis, evidenciando que houve problemas semelhantes envolvendo mensageiros divinos entre as narrativas de Gênesis 6.1-4 e 19.Esses problemas são descritos como de ordem sexual. Para tal, são utilizadas as expressões ἐκπορνεύσασαι,com o sentido de entregar-se à imoralidade sexual, e ἀπελθοῦσαι ὀπίσω  σαρκὸς ἑτέρας ,isso é, “ outra carne”.

A segunda explica a primeira, de maneira que a imoralidade sexual à qual ambos se entregaram foi a busca de outra carne.A interdependência que Judas imputa às narrativas de Gênesis 6.1-4 e de Gênesis 19, e as três questões principais que observamos nos dois versículos lidos — a imoralidade sexual, o abandono do lugar próprio e o buscar outra carne

INTERDEPENDÊNCIA COM GÊNESIS 6


Judas coloca as narrativas do Dilúvio e da destruição de Sodoma e Gomorra lado a lado, promovendo uma interpretação enóquica para o texto bíblico em ambos os casos. É fato que Judas não faz menção direta do texto de Gênesis 6, pois diz “anjos” presumindo que por isso se entenda do que está falando. O que Judas pressupõe não é apenas o conhecimento que a comunidade cristã tem do livro de 1 Enoque,mas também que ela o tem como chave hermenêutica para a compreensão do texto bíblico.

Observemos,então, as seções de Gênesis 6.1-8 e 19.1-9

E aconteceu que, como os homens começaram a multiplicar-se sobre a face da terra, elhes nasceram flhas, Viram os flhos de Deus que as flhas dos homens eram formosas;e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram. Então disse o Senhor: Não contenderá o meu Espírito para sempre com o homem; porque ele também é carne;porém os seus dias serão cento e vinte anos. Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os homens de fama. E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente. Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração. E disse o Senhor: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito. Noé,porém, achou graça aos olhos do Senhor.

E vieram os dois anjos a Sodoma à tarde, e estava Ló assentado à porta de Sodoma; e vendo-os Ló, levantou-se ao seu encontro e inclinou-se com o rosto à terra; E disse: Eis agora, meus senhores, entrai, peço-vos, em casa de vosso servo, e passai nela a noite, e lavai os vossos pés; e de madrugada vos levantareis e ireis vosso caminho. E eles disseram: Não, antes na rua passaremos a noite. E porfiou com eles muito, e vieram com ele,e entraram em sua casa; e fez-lhes banquete, e cozeu bolos sem levedura, e comeram.E antes que se deitassem, cercaram a casa, os homens daquela cidade, os homens de Sodoma, desde o moço até ao velho; todo o povo de todos os bairros. E chamaram a Ló, e disseram-lhe: Onde estão os homens que a ti vieram nesta noite? Traze-os fora a nós, para que os conheçamos. Então saiu Ló a eles à porta, e fechou a porta atrás de si, E disse: Meus irmãos, rogo-vos que não façais mal; Eis aqui, duas filhas tenho, que ainda não conheceram homens; fora vo-las trarei, e fareis delas como bom for aos vossos olhos; somente nada façais a estes homens, porque por isso vieram à sombrado meu telhado. Eles, porém, disseram: Sai daí. Disseram mais: Como estrangeiro este indivíduo veio aqui habitar, e quereria ser juiz em tudo? Agora te faremos mais mal a ti do que a eles. E arremessaram-se sobre o homem, sobre Ló, e aproximaram-se para arrombar a porta.

A ênfase de Judas quanto ao aspecto sexual dos dois episódios é central para a compreensão da re-lação que Judas faz entre os dois episódios. Ambos são marcados pelos mesmos elementos: relações sexuais ilícitas — condenação divina — aviso divino a um homem justo — destruição completa — salvação do remanescente.Assim como em Gênesis temos uma relação sexual ilícita entre flihos de Deus e filhas dos homens, em Sodoma e Gomorra, assumindo que o verbo “conhecer” tenha um cunho sexual vemos que os homens de Sodoma querem fazer sexo com os visitantes angelicais. Ambas as relações sexuais implicam numa inversão da ordem da Criação, que separa o céu da terra.

À altura de Gênesis 19, Deus já havia condenado as cidades de Sodoma e Gomorra à destruição por sua iniquidade. No entanto, tudo o que sabemos pelo próprio texto de Gênesis sobre a situação de Sodoma era que aqueles homens maus desejavam conhecer os anjos sexualmente. Em Gênesis 6, a destruição vem e o ser humano se torna iníquo como consequência das relações ilícitas.O próprio Deus alerta Noé em 6.13, e os anjos alertam Ló sobre a destruição iminente em 9.12-13. Em ambos os relatos, o escolhido para a salvação é alertado para reunir sua família.Logo depois do aviso do fim e dos homens terem reunido suas famílias (em Gênesis 6.14,22, lemos que Noé constrói também uma arca), vem a destruição, da qual só se salvam eles e suas famílias (Noé, a mando de Deus, salva também os animais inocentes da malícia humana).
No entanto, se tomamos o Livro de Enque como a fonte de Judas para os acontecimentos antediluvianos, encontramos também uma intercessão por parte de um homem justo - enquanto Abraão faz esse papel em Gênesis 18, em 1 Enoque é o herói homônimo que intercede em favor dos anjos, o que não consta em Gênesis 6. Ademais, a intervenção angelical em favor do herói na narrativa da destruição de Sodoma e Gomorra é clara, enquanto em Gênesis 6, não constam anjos senão os pecadores.
Em 1 Enoque, da mesma maneira que Ló é avisado por dois anjos de Deus, Noé é avisado pelo anjo Sariel (1 En 10.2).Assim, a narrativa do dilúvio e dos acontecimentos imediatamente anteriores mais se assemelha coma de Sodoma e Gomorra se vista a partir da tradição de Enoque. Isso sugere, nesse ponto, alguma dependência literária entre a literatura enóquica e a sadoquita (Pentateuco canônico), muito embora quem depende de quem seja uma polêmica grande demais para tratar aqui.

IMORALIDADE SEXUAL


Além da dependência literária, há outros fatores inter-relacionados que contribuem para que Judas trate dos dois episódios juntos, um sob uma ótica enóquica, e o outro de acordo com o texto bíblico.

Listamos algumas referências encontradas em livros apócrifos e pseudoepígrafos ao pecado de Sodoma e Gomorra como sendo sexual: Jubileus 16.5-6 e 20.5-6; Testamento de Levi 14.6; Testamento de Benjamin 9.1.Em todos esses casos, observamos dependência literária da tradição enóquica.

De maneira semelhante a Judas, o livro de Jubileus tem a tradição enóquica como autoritativa aoponto de citá-la como fonte histórica e interpretação 󿬁el dos acontecimentos de Gênesis. E, assim comoJudas, fala do pecado de Sodoma e Gomorra como sendo de imoralidade sexual: “se profanavam mutual-mente, cometendo fornicação e impureza em sua carne sobre a terra”.

Os testamentos dos Doze Patriarcas, de origem incerta,também dependem da literatura de Enoque.

Citaremos o de Levi, observe que, na segunda visão de Levi, o livro de Enoque é citado como autoridade para a sua predição.

Levi aparenta ter um dos testamentos mais atípicos — o seu e o de Aser são os únicos que descrevem um patriarca bem de saúde, enquanto é comum que, num testamento, este esteja em seu leito de morte. Ademais, Levi é movido parcialmente por razões além das questões éticas, o que o faz destoar do conjunto da obra.A relação de Sodoma e Gomorra como uma referência para relações sexuais ilícitas dentro de uma tradição que considera autoritativo o livro de Enoque é ainda mais clara no testamento de Benjamin 9.1.

Não é por acaso que, em todas as referências pseudoepígrafas do Segundo Templo observadas, encontremos tanto uma referência ao pecado de Sodoma e Gomorra como um ato sexual ilícito quanto à tradição de Enoque. Judas se vale da mesma lógica, pela qual o pecado de Sodoma e Gomorra é necessariamente sexual (no caso de Judas, uma imoralidade sexual específica, que é a de buscar outra carne)quando analisado por um ponto de vista enóquico. Esse argumento é imprescindível para a discussão quanto à natureza (sexual ou não) do pecado de Sodoma e Gomorra, considerando que, a partir de uma proposta diferente de interpretação literal para o verbo “conhecer”, a qual priva o verbo de seu sentido sexual no contexto, foi construída uma das presentes interpretações comuns - de que o pecado foi o de falta de hospitalidade.

O ABANDONO DO LUGAR PRÓPRIO


Faremos, neste capítulo, algumas observações sobre a corporeidade dos anjos em relação à das mulheres, e sobre o seu pecado ter sido o de “abandonar o seu posto”, entendendo que o ato de abandono é de rebeldia contra Deus, que gera expectativa de punição. O sexo dos anjos com as mulheres humanas lhes custa o seu status angelical.Um teólogo escreve que os capítulos 12-16 de 1 Enoque enfatizam que os casamentos dos anjos violam as fronteiras entre as esferas celestial e terrena.

Portanto, podemos entender que é um aspecto importante da transgressão dos anjos em 1 Enoque que os anjos abandonem seu lugar ideal, sendo que o livro entende que cada anjo tem seu posto e sua função.Um comentarista menciona uma tradição encontrada em Enoque, na qual quatro arcanjos — Miguel,Gabriel, Uriel e Rafael — assumem quatro postos específicos ao redor do trono de Deus — Sul, Norte Leste e Oeste, respectivamente

Esse exemplo serve para demonstrar a angelologia do período no qual Judas foi escrito — uma que considera anjos específicos para postos e situações peculiares (o próprio nome de Rafael sugere uma função de curas ).Assim, o pecado dos anjos, que tem como consequência característica o abandono de seu posto celeste, pode ser descrito como um ato de rebeldia contra a ordem da criação de Deus.Os anjos pecadores são presos em correntes para aguardar o juízo, por terem se contaminado com carne e sangue.

Essa contaminação sexual é presumida no texto bíblico, como a causa da queda dos anjos. A mesma contaminação sexual é considerada na referência à destruição de Sodoma, e em outros textos, como 1 Coríntios 11.10, onde lemos que a mulher deve cobrir o seu cabelo “por causa dos anjos”

Pode-se interpretar esse verso no sentido de que a mulher não deve soltar seu cabelo e muito menos soltá-lo durante o ato de profetizar. Essa era uma das características, por exemplo, do êxtase das mulheres montanistas. Elas dançavam e balançavam os cabelos. Essa era uma característica também de outros cultos extáticos da Antiguidade, como o culto de Dionísio, por exemplo. Como havia um certo apelo erótico nos cabelos soltos, Paulo, preocupado com a boa ordem do culto trata de regrar o assunto.

Em 1 Pedro, texto que partilha com Judas de um background enóquico, temos um alerta para que as mulheres não se adornem. Ambas as ocorrências sugerem que havia, na comunidade cristã primitiva,uma preocupação em não incitar desejo erótico nos anjos que se acreditava estarem nas reuniões.


Entendemos que, se o problema dos anjos caídos foi o sexo entre anjos e mulheres humanas, é salutar propor que um problema semelhante ocorre na narrativa da destruição de Sodoma e Gomorra. Como observamos, a relação entre Judas,Enoque e Gênesis 19 é mais estreita do que a relação entre as duas narrativas do dilúvio ou até mesmo as duas narrativas do Pentateuco.Segundo alguns o divino na Antiguidade não era considerado, como o é hoje, assexuado.Pelo contrário, os seres divinos eram homens heterossexuais

Essas características do divino são claramente encontradas na opção dos filhos de Deus em Gênesis e dos anjos caídos em 1 Enoque pelas filhas dos homens.Assim se situa “o desejo dos homens de Sodoma de ‘conhecer’ os homens de Deus que visitam Ló” ao lado de Gênesis 6 como “mitos que ponderam sobre o relacionamento potencialmente erótico entre indivíduos humanos e seres divinos do sexo masculino”

Ainda fala do incidente de Sodoma: “Do ponto de vista do narrador (e, portanto, do leitor), os homens de Sodoma desejam ter intimidade com homens divinos”.Esse desejo inverte a hierarquia entre o céu e a terra.

O mesmo ponto de vista é compartilhado por Judas, que trata do pecado de Sodoma e Gomorra a partir da questão dos anjos que pecam sexualmente. A questão do desejo dos anjos pelas mulheres e dos homens do Sodoma pelos anjos causará estranheza de maneira que, na cultura popular, “sexo dos anjos” é uma expressão utilizada para designar uma discussão infrutífera, sem propósito

Alguns cristãos, como Agostinho, se atribulavam com a visão de que Gênesis 6.1-4 se referia a anjos pecadores”,
Parte de uma concepção de divindade que não é nem incorpórea, nem assexuada,mas, como já citado acima, “masculina e heterossexual”. Portanto, a mulher era objeto de desejo do divino.O cristianismo primitivo trata desse tema com grande temor, sob influências inegáveis de 1 Enoque.Se as mulheres não deveriam se adornar, isso se dava porque os adornos, segredos proibidos, foram introduzidos na humanidade , e poderiam ser instrumentos de sedução angelical mais uma vez. No Testamento de Ruben 5.5-7, lemos que a culpa do pecado dos anjos foi das mulheres que os seduziram com suas maquiagens e penteados e penduricalhos
Se a crença àquela época era de que anjos tinham capacidade para desejo sexual e esse desejo poderia ser despertado, é também a partir desse pensamento que Judas relaciona os textos de Gênesis 6.1-4 e 19.


BUSCAR OUTRA CARNE



Podendo concluir que Judas lê o pecado de Sodoma e Gomorra como sexual, de maneira semelhante a vários outros escritos do Judaísmo do Segundo Templo, e que esse pecado, lido ao lado de Enoque , implica numa confusão ontológica, caracterizada pela queda dos anjos rebeldes, passaremos a considerar qual o significado da expressão “ir após outra carne” no versículo sete.

A tradução Ecumênica da Bíblia traduz esse trecho como “correr atrás dos seres de outra natureza”,comentando influência de 1 Enoque sobre Judas. Outro aspecto interessante dessa tradução é a definição do artigo “os”, fazendo referência aos anjos. tal referência não é encontrada no original grego, mas consideramos como verdadeiro o que essa tradução quer dizer — que a “outra carne” é uma carne angelical.Alguns apontam a ironia encontrada no argumento daqueles que consideram que o texto de Judas 6-7 trata de um ato homossexual: “Judas 7 revela que a questão em Sodoma e Gomorra não era sexo homossexual (...) mas um sexo tipo heterossexual (...) entre humanos e anjos”. A palavra “heterossexual” é utilizada por causa do grego "heteros"(ἑτέρας)diferente), que é encontrado no texto de Judas. A carne dos anjos é diferente da carne humana, logo, aquele que busca o sexo com o diferente é “heterossexual”.

A frase “foram após outra carne” refere-se à sua busca por “carne” não-humano (i.e angélica!). A expressão sarkos heteras significa “carne de outro tipo”; assim, é impossível conceber essa passagem como uma condenação do desejo homossexual, que implica precisamente na busca pelo mesmo tipo.

As aspas em “carne” demonstram o permanente desconforto do homem ocidental em conceber o divino como corpóreo e sexuado, o que não corresponde de maneira alguma ao desconforto de Judas, que é em relação a falsos mestres que blasfemam contra as autoridades angelicais


CONCLUSÃO


Muito se tem discutido entre tradicionalistas e revisionistas sobre qual foi o pecado de Sodoma e Gomorra, e as respostas têm variado entre a homossexualidade para uns, e a falta de hospitalidade para outros. A ênfase de uns está numa relação sexual abusiva e agressiva, e de outros numa relação sexual que seria contra a ordem da Criação.
A partir do livro de Judas, percebemos que a condenação do pecado sexual de Sodoma, ao lado do pecado dos anjos em Gênesis se baseia em três argumentos:

.imoralidade sexual,

.confusão ontológica

.abusca por outra carne.

Vimos que estes argumentos, em especial o último, impedem que se veja que o pecado de Sodoma tenha sido o de falta de hospitalidade ou o da orientação homossexual. A única alternativa que o livro de Judas, quando observado dentro de seu devido campo semântico, permite considerar é o sexo com anjos.