INTRODUÇÃO
“Se os Seminários católicos mandam que seus alunos leiam a Suma Teológica de Tomás de Aquino,
por que nós Reformados, não mandamos os nossos alunos lerem a Instituição de Calvino?!...”.
Somos uma igreja Reformada? Se somos, quais as implicações dessa identidade em nossa vida enquanto homens e mulheres que atuam na igreja e na sociedade? Podemos separar a nossa teologia de nossa liturgia? Ao longo desse estudo pretendemos abordar algumas questões históricas e teológicas que, segundo acredito, poderão fornecer-nos pistas para uma melhor compreensão do que somos ou do que deveríamos ser..
CONSIDERAÇÕES GERAIS
1. A Reforma do Século XVI: Suas Origens:
b) Havia uma corrupção política, econômica e moral generalizada na "igreja" e no clero, contribuindo para um sentimento anticlerical
c) Uma profunda carência espiritual: A igreja tornara-se extremamente meticulosa no confessionário e, ao mesmo tempo, induzia os fiéis à realizarem boas obras que, como não poderiam deixar de ser, eram sempre insuficientes para eliminar o sentimento de culpa latente.[8] Tillich (1886-1965), resume: “Sob tais condições jamais alguém poderia saber se seria salvo, pois jamais se pode fazer o suficiente; ninguém podia receber doses suficientes do tipo mágico da graça, nem realizar número suficiente de méritos e de obras de ascese. Como resultado desse estado de coisas havia muita ansiedade no final da Idade Média.”
d)As tentativas reformistas[10] eram cruelmente eliminadas pela Inquisição e, algumas vezes, onde não se podiam achar culpados, queimavam-se os inocentes
e) O Culto há muito que se tornara apenas num ritual meramente externo, repleto de superstições, consistindo em grande parte na leitura da vida dos santos. "Os deuses, deusas e semideuses do Paganismo, as suas imagens e estátuas sagradas, transformaram os heróis do Cristianismo e as suas supostas efígies, em objetos de culto idólatra, em padroeiros, protetores e medianeiros. O politeísmo e a idolatria inundaram a Igreja."
2. A Reforma como Movimento Religioso:
Lutero (1483-1546) e as suas famosas angústias espirituais, espelhava “a epítome dos medos e das esperanças de sua época.”[15] Calvino, ainda que não sendo dominado por esse sentimento, refletia uma constatação natural: a fragilidade humana. Sobre os perigos próprios da vida.
A Reforma Protestante do século XVI, foi um movimento eminentemente religioso[24] e teológico[25] (pelo menos em sua origem);[26] estando ligada à insatisfação espiritual de dezenas de pessoas – que certamente expressavam o sentimento de milhares de outras anônimas –, que através dos tempos não encontravam na igreja romana espaço para a manifestação de sua fé nem alimento para as suas necessidades espirituais. As insatisfações não visam criar uma nova igreja mas sim, tornar a existente mais bíblica. Portanto, a Reforma deve ser vista não como um movimento externo mas sim, como um movimento interno por parte de “católicos” piedosos[27] – que diga-se de passagem, ao longo dos séculos tinham manifestado a sua insatisfação, quer através do misticismo,[28] quer através de uma proposta mais ousada –, que desejavam reformar a sua Igreja, revitalizando-a, transformando-a na Igreja dos fiéis.
Todavia, não podemos nos esquecer que as mudanças causadas pelo Renascimento e Humanismo contribuíram para ela; afinal, a Reforma ocorreu na história, dentro das categorias tempo e espaço, onde o homem está inserido. Isto não diminui as causas e muito menos o valor intrínseco da Reforma; pelo contrário, vem apenas demonstrar o que a Palavra de Deus ensina e no que creram os reformadores: Deus é o Senhor da história. De fato, o que é a história, senão o palco onde Deus efetiva o Seu Reino?! "A chave da história do mundo é o Reino de Deus."[29] Toda a relação “natural-histórico” não é casual nem cegamente determinada: É dirigida por Deus, o Senhor da História.[30] O propósito de Deus na história como realidade presente, faz parte da essência de nossa fé.[31]
A concepção da Reforma como um movimento originariamente religioso não implica na compreensão de que ela esteve restrita a apenas esta esfera da realidade; pelo contrário, entendemos que a Reforma foi um movimento de grande alcance cultural, institucional, social e político na história da Europa[32] e, posteriormente em todo o Ocidente. A amplitude da influência da Reforma em diversos setores da vida estava implícita em sua própria constituição: Era impossível alguém abraçar a Reforma apenas no campo da religião e continuar em tudo o mais a ser um homem de uma ética medieval, com a sua perspectiva da realidade e prática intocáveis. A Reforma em sua própria constituição era extremamente revolucionária: “A Reforma ocupou, e deve continuar a ocupar, um legítimo e significativo lugar na história das idéias.”[33] Não deixa de ser significativo o testemunho de dois estudiosos católicos, Abbagnano e Visalberghi, quando afirmam que, “contribuição fundamental à formação da mentalidade moderna foi a reforma religiosa de Lutero e Calvino.
3. A Reforma e o Humanismo-Renascentista:
A despeito da importância do humanismo como uma preparação para a Reforma, a maioria dos humanistas, e principalmente Erasmo entre eles, nunca alcançou nem a gravidade da condição humana, nem o triunfo da graça divina, o que marcou os reformadores. O humanismo, assim como o misticismo, foi parte da estrutura que possibilitou aos reformadores questionar certas suposições da tradição recebida, mas que em si mesma não era suficiente para fornecer uma resposta duradoura às obsessivas perguntas da época.”
"A Reforma foi revolucionária porquanto se apartou tanto do humanismo católico-romano como do secular." – Francis A. Schaeffer
A Reforma surgiu num contexto Humanista e Renascentista, tendo inclusive alguns pontos em comum;[37] como exemplo disto citamos o fato de que a ênfase humanista no retorno às fontes primárias fez com que os humanistas cristãos se despertassem para o estudo dos Originais da Bíblia, o que ocasionou a verificação de uma evidência cada vez mais forte: as diferenças existentes entre os princípios do Novo Testamento e a religião romana.[38] Contudo, as diferenças são mais profundas do que as semelhanças;[39] e a Reforma também não foi sintética em termos dos valores cristãos e pagãos: Lutero (1483-1546), e mais tarde todos os reformadores, não se deixaram limitar por uma visão puramente humanista, antes, pelo contrário; Lutero (1483-1546), Zuínglio (1484-1531)[40] e Calvino (1509-1564), apesar das divergências de compreensão,[41] de ênfase e de estilo,[42] estavam acordes quanto à centralidade da Palavra de Deus; na Escritura como sendo a fonte, para se pensar acerca de Deus.[43] Os reformadores vão enfatizar o estudo da Palavra, visto que este fora ofuscado pela preocupação filosófica: A Razão havia tomado o lugar da Revelação. Na Reforma, o ponto de partida não é o homem; ele não é considerado "a medida de todas as coisas"; antes, a sua dignidade consiste em ter sido criado à imagem de Deus.[44] Portanto, a dissociação entre a Renascença e a Reforma teria de ser como foi: inevitável
4. A Reforma e a Propagação das Escrituras:
A Reforma teve como objetivo precípuo uma volta às Sagradas Escrituras, a fim de reformar a Igreja que havia caído ao longo dos séculos, numa decadência teológica, moral e espiritual. A preocupação dos reformadores era principalmente "a reforma da vida, da adoração e da doutrina à luz da Palavra de Deus".[46] Desta forma, a partir da Palavra, passaram a pensar acerca de Deus, do homem e do mundo! "A reforma foi acima de tudo uma proclamação positiva do evangelho Cristão."[47]
O princípio protestante do "livre exame" caminhava na mesma direção do espírito humanista de rejeição a qualquer autoridade externa:[48] as coisas são o que são porque são, não porque outros dizem que elas sejam. Isto é válido para as verdades científicas, como para as verdades teológicas: Não é a Igreja que autentica a Palavra por sua interpretação "oficial", mas, sim, é a Bíblia que se autentica a Si mesma como Palavra autoritativa de Deus[49] e, é Ele mesmo Quem nos ilumina para que possamos interpretá-la corretamente. Na Reforma, "a Palavra de Deus era a única autoridade, e a salvação tinha como base única a obra definitiva do Senhor Jesus Cristo, consumada na cruz."[50]
Partindo desses princípios, a Reforma onde quer que chegasse, se preocupava em colocar a Bíblia na língua do povo – e neste particular a tipografia foi fundamental para a Reforma[51] –, a fim de que todos tivessem acesso à Sua leitura – sendo o "reavivamento" da pregação da Palavra um dos marcos fundamentais da Reforma. Os Reformadores criam que se as Escrituras estivessem numa língua acessível aos povos, todos os que quisessem poderiam ouvir a voz de Deus e, todos os crentes teriam acesso à presença de Deus. Portanto, “para eles, as Escrituras eram mais uma revelação pessoal que dogmática.”[52] Calvino, por exemplo, entendia que as Escrituras eram tão superiores aos outros escritos que, “Logo, se lhes volvemos olhos puros e sentidos íntegros, de pronto se nos antolhará a majestade de Deus, que, subjugada nossa ousadia de contraditá-la, nos compele a obedecer-lhe.”[53] Contudo, os reformadores esbarraram num problema estrutural: o analfabetismo generalizado entre as massas.
É digno de nota, que antes mesmo do humanista Erasmo de Roterdã (c. 1469-1536) editar o Novo Testamento Grego (1516)[54] e de Lutero afixar as suas 95 teses às portas da catedral de Wittenberg (31/10/1517), já se tornara visível o esforço por colocar a Bíblia no idioma nativo de cada povo.[55] John Wycliffe (c. 1320-1384), Nicholas de Hereford († c. 1420) e John Purvey (c. 1353-1428) traduziram a Bíblia para o inglês em 1382-1384.[56] Coube a Nicholas a tradução da maior parte do Antigo Testamento.[57] Esta tradução que incluía os apócrifos, foi feita diretamente da Vulgata, sem consultar os Originais Hebraicos e Gregos.
Outro ponto que deve ser realçado a esse respeito, é que quanto mais os tempos se avizinhavam do século XVI, verifica-se um desejo mais intenso de ler as Escrituras. Como reflexo disto, "de 1457 a 1517 são publicadas mais de quatrocentas edições da Bíblia."[58]
Lutero traduziu a Bíblia para o alemão, concluindo o seu trabalho em outubro de 1534.[59] A sua tradução é uma obra primorosa, sendo considerada o marco inicial da literatura alemã.[60] Febvre diz de forma poética, que o trabalho de Lutero consistiu “numa assombrosa ressurreição da Palavra. Estando o mais distante possível de uma fria exposição, de um labor didático de um filólogo. Também, é mais do que um ‘trabalho de artista’ em busca de um estilo pessoal. É o esforço, sem dúvida dramático, feliz, de um pregador que quer convencer; ou melhor, de um médico que quer curar, trazer aos seus irmãos, os homens, todos os homens, o remédio milagroso que acaba de curá-lo....
CONSIDERAÇÕES ÉTICAS E CULTURAIS :
1. A Reforma e a Educação:
Analisando uma outra vertente da questão, devemos frisar que foi Lutero quem lançou as bases da moderna escola pública e do ensino obrigatório; e para isso a sua tradução das Escrituras foi fundamental, como escreveu Giles: "... pode-se afirmar que a Bíblia de Setembro de 1522, é um fato de repercussões incalculáveis na história religiosa dos Estados germânicos, e também serve de base para todo um processo de alfabetização."
“Revolução é seguida por reconstrução e consolidação. Para esta tarefa Calvino foi providencialmente preordenado e equipado por gênio, educação, e circunstâncias.”
a) Ensinar tudo a todos
b) Sólido conhecimento aliado à piedade
c) Metodologia voltada para o aluno
d) Educação para o tempo e para a eternidade
2 .A Reforma e o Trabalho
a) Envolve o uso de energia destinado a vencer a resistência oferecida pelo objeto que se quer transformar – intencionalidade.
b) O trabalho se propõe sempre a uma transformação.
c) Todo o trabalho está ligado a uma necessidade, externa ou interna.
d) Todo trabalho traz como pressuposto fundamental, o conceito de que o objeto, sobre o qual trabalha, é de algum modo aperfeiçoável, mediante o emprego de determinada energia – esforço e perseverança.
Comportamento Cristão na Riqueza e na Pobreza
a) Em tudo devemos contemplar o Criador, e dar-Lhe Graças
b) Usemos deste mundo como se não usássemos dele
c) Suportemos a Pobreza; usemos moderadamente da abundância
d) Somos Administradores dos Bens de Deus
A Bíblia nos ensina que todas as coisas nos são dadas pela benignidade de Deus e são destinadas ao nosso bem e proveito. Deste modo, tudo que temos constitui-se em um depósito do que um dia teremos de dar conta. “Temos, pois, de administrá-las como se de contínuo, ressoasse em nossos ouvidos aquela sentença. ‘Dá conta de tua mordomia’ (Lc. 16.2).”[208]
Para Calvino a riqueza residia em não desejar mais do que se tem e a pobreza, o oposto.[209] Por sua vez, também entendia que a prosperidade poderia ser uma armadilha para a nossa vida espiritual: “Nossa prosperidade é semelhante à embriaguez que adormece as almas.”[210] “Aqueles que se aferram à aquisição de dinheiro e que usam a piedade para granjearem lucros, tornam-se culpados de sacrilégio.”[211] Daí que, para o nosso bem, o Senhor nos ensina através de várias lições a vaidade dessa existência.[212] Comentando o Salmo 62.10, diz: “Pôr o coração nas riquezas significa mais que simplesmente cobiçar a posse delas. Implica ser arrebatado por elas a nutrir uma falsa confiança. (...) É invariavelmente observado que a prosperidade e a abundância engendram um espírito altivo, levando prontamente os homens a nutrirem presunção em seu procedimento diante de Deus, e a se precipitarem em lançar injúria contra seus semelhantes. Mas, na verdade o pior efeito a ser temido de um espírito cego e desgovernado desse gênero é que, na intoxicação da grandeza externa, somos levados a ignorar quão frágeis somos, e quão soberba e insolentemente nos exaltamos contra Deus.”[213] Em outro lugar: “Quanto mais liberalmente Deus trate alguém, mais prudentemente deve ele vigiar para não ser preso em tais malhas.”[214] “Quando depositamos nossa confiança nas riquezas, na verdade estamos transferindo para elas as prerrogativas que pertencem exclusivamente a Deus.”[215] A nossa riqueza está em Deus, Aquele que soberanamente nos abençoa.[216] Portanto, “.... é uma tentação muito grave, ou seja, avaliar alguém o amor e o favor divinos segundo a medida da prosperidade terrena que ele alcança.”[217] Quanto ao dinheiro, como tudo que temos provém de Deus, “o dinheiro em minha mão é tido como meu credor, sendo eu, como de fato sou, seu devedor.”[218] Somos sempre e integralmente dependentes de Deus: “Um verdadeiro cristão não deverá atribuir nenhuma prosperidade à sua própria diligência, trabalho ou boa sorte, mas antes ter sempre presente que Deus é quem prospera e abençoa.
III . CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS
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