A APELAÇÃO DE PAULO A UNIDADE
(I Coríntios 1:10-17)
Paulo apela em nome de Cristo
No versículo dez, a palavra em grego significa literalmente que Paulo apela a eles através do nome de Jesus Cristo. Paulo não estava só declarando sua autoridade apostólica ou falando em nome de Jesus Cristo. Os exortava no único nome que todos os cristãos invocam e no qual todos foram batizados. Essa era a base para sua apelação
.
Paulo apela à unidade
Em um só versículo, existem várias expressões que reforçam a apelação do apóstolo à unidade. O último verbo que usa é muito interessante. Em grego é o verbo "catarizo", que fazia alusão a remendar ossos quebrados ou rede de pescar. É um verbo que denota a ação de reparar algo quebrado. No caso dos coríntios, é a comunhão que tinha sido quebrada e Paulo sabe que eles a
irão reparar.
Paulo apela diante da desunião
Tinham falado a Paulo sobre as discussões e divisões que haviam entre os coríntios. Este é o único dado que Paulo tem a respeito da situação. O versículo doze explica em que consiste o problema. No grego, a expressão que se traduz “sou de” indica uma aliança ou pertencer a alguém. Os membros da
igreja estavam declarando sua aliança ou lealdade a diferentes apóstolos. Parece ainda que uma destas facções reclamava uma união particular e exclusiva com Cristo. Alguns comentaristas têm interpretado que esta única frase, “eu pertenço a Cristo”, é um recurso retórico de Paulo para causar impacto. Mas as quatro expressões são idênticas em sua estrutura gramatical e
mais bem parece indicar que este quarto grupo reclamava uma união especial com Cristo, talvez porque constituia os que O haviam visto ou ouvido pessoalmente.
Sugere-se que entre estes grupos haviam distintas teologias em
competição. Na realidade, no texto não há nenhuma evidência delas. A divisão parece dever-se mais bem a personalidades em conflito do que a princípios ou correntes doutrinárias diferentes. Paulo se sente profundamente afetado por esse conflito e insiste com os coríntios que ele é irmão deles assim como eles o são dele. Ele não é um mestre nem eles o pertencem e, portanto, eles não têm nenhum direito de fazer estas alianças que os dividem entre si.
Ao final do capítulo 3 da mesma carta, Paulo afirma que se alguém pertence a alguém na igreja cristã, são os líderes que pertencem à igreja, e não esta aos líderes.
Paulo apela ao essencial
Há um matiz de urgência na apelação de Paulo, e com razão. A atitude partidarista ou separatista dos coríntios tem implicações muito sérias. Esses desacordos, disse Paulo, são teologicamente ofensivos porque contradizem os fundamentos do evangelho em três sentidos: contradizem a pessoa de Cristo,a cruz de Cristo e o significado do batismo em Cristo. Em outras palavras, Cristo era quem ficava ofendido e negado por todos os grupos.
Paulo mostra que essa conduta é inaceitável por meio de três perguntas retóricas, cada uma das quais se responde negativamente. Acaso está Cristo dividido? É sua primeira pergunta. Acaso há mais de um Cristo? Acaso fracionaram Cristo? Logicamente que não. Seria uma idéia ridícula. Existe um
só Cristo, indivisível. A segunda pergunta retórica do apóstolo é: Foi Paulo crucificado por vocês? Em outras palavras, acaso vocês estão confiando em Paulo e sua crucificação para ser salvos? Aqueles que declaram pertencerem a Paulo estão supondo que ele é quem os redimiu. Só a idéia já era absurda.
Cristo, não Paulo, é quem foi crucificado por eles. E em terceiro lugar, acaso foram batizados no nome de Paulo? Há alguma razão para ter uma aliança especial com algum ser humano por causa do batismo? Com esta argumentação, Paulo enuncia três verdades essenciais do evangelho.
A primeira é que Cristo é um só e indivisível: há só um Cristo, há só uma cabeça do corpo de Cristo. A segunda verdade é que Cristo foi crucificado por nós e, como conseqüência, pertencemos só a Ele. A terceira afirmação tem relação com o batismo cristão. O batismo é testemunho de nossa aliança com Cristo e de nossa exclusiva lealdade a Ele.
Paulo desenvolve o conceito do batismo com toda claridade em
Romanos 6. Fomos batizados na morte e ressurreição de Cristo; a fé é “interna” e o batismo é a demonstração “externa” de que estamos unidos a Cristo em Sua morte e ressurreição. Em outras palavras, Sua morte é nossa morte e Sua ressurreição é nossa. Todos nós somos batizados em Cristo e só nEle.
Paulo sustenta que, com sua atitude sectária, os coríntios negavam as verdades essenciais do Evangelho porque davam a líderes humanos a posição que só Cristo tem. Sacrificavam o nome de Cristo, em cuja morte e ressurreição haviam sido batizados, em troca pelo nome de um ser humano que só os havia batizado fisicamente. O apóstolo se mostra agradecido de não haver batizado a nenhum deles, salvo a Crispo, a Gaio, e a família de Estéfanas. Ninguém mais poderia dizer que havia sido batizado em seu nome .O que Paulo enfatiza é que não tem importância alguma quem é o que batiza. O que realmente importa é em quem somos batizados: em Cristo mesmo. Obviamente, Paulo não diminui a importância do batismo. Sabe que foi instituído por Jesus e que é parte integral da Grande Comissão. Como se depreende de Romanos 6, o apóstolo tinha uma percepção profunda do batismo.
Quanto a sua tarefa, Paulo se define como evangelista. É um pioneiro, chamado por Deus para levar a mensagem aos lugares onde ainda não havia sido pregada. Paulo afirma que a sua pregação não foi com palavras de sabedoria humana “para não fazer vã a cruz de Cristo”. Descobrimos aqui uma dupla renúncia por parte do apóstolo. Renunciou à sabedoria do mundo para pregar a “loucura” da cruz. Ademais Paulo renunciou à retórica e confiou só no poder do Espírito Santo.
O que fazer com as diferenças?
Há uma tensão iniludível entre o que a igreja é e o que deve ser, entre o que a igreja já é e o que chegará a ser. Vivemos esta tensão em nossas congregações, tal como ocorria na igreja em Corinto.
A situação é especialmente evidente na desunião entre cristãos. Sem dúvida há uma só igreja de Cristo, mas não mostramos e nem desfrutamos dessa unidade. A igreja é um povo santo de Deus, comprada pelo precioso sangue de Cristo e santificada pelo Espírito Santo. No entanto, a realidade ambígua da igreja é um desafio para que busquemos santidade e procuremos
unidade em torno da essência do evangelho da cruz de Cristo.
Quando há diferenças sobre temas teológicos sérios, o Novo
Testamento não só permite como ordena a separação da igreja. Em sua carta, o apóstolo João expõe com claridade as doutrinas que não devem ser toleradas dentro da igreja: aquelas que negam a humanidade de Jesus Cristo ou negam o evangelho da graça gratuita por meio da cruz. Quem as sustenta merece uma maldição ou juízo de Deus. Com a mesma severidade se expressa Paulo na carta aos gálatas. As falsas doutrinas sobre a pessoa e a obra de Jesus Cristo de nenhuma maneira podem ser aceitas. Sobre estes assuntos deve aplicar-se a disciplina na igreja, até a excomunhão, porque são verdades centrais do evangelho.
Em compensação, o que devemos fazer sobre os assuntos que são secundários, mas causam divisão? Há muitos temas que nos dividem. Ainda que todos creiamos no Pai, no Filho e no Espírito Santo, entramos em pleitos por muitos temas: a quantidade de água que se necessita para batizar alguém, a interpretação das profecias, porque cremos que certas profecias foram ou irão ser cumpridas. Até nos dividimos por questões culturais em relação à liturgia.
Todos cremos nos dons, cremos que a igreja é o corpo carismático de Cristo e cremos nos ministérios de todos os crentes. No entanto, discutimos sobre quais são os dons mais importantes e como são recebidos.
Há inumeráveis polêmicas sobre assuntos secundários. Como
diferenciamos o primário do secundário, o central e o marginal? Sugiro uma norma que pode ajudar quando queremos dialogar entre cristãos bíblicos, isto é, entre cristãos que consideram a Bíblia como máxima autoridade. Se estivermos igualmente dispostos a submeter-nos à autoridade das Escrituras e chegarmos a decisões diferentes sobre um tema, então devemos concluir que esse é um assunto secundário. Se as Escrituras não são claras para nos levar a uma conclusão única, significa que esse assunto não é central ao evangelho e que sobre esse tema devemos aceitar e respeitar nossas diferenças
Estes são temas aos quais chamamos de adiáfora, isto é, assuntos que não são essenciais senão marginais. Um breve epigrama que vem do século XVII, e que se adjudica a Ruperto Meldinius, é de muita ajuda neste terreno.
Traduzido do latim, expressa:
No essencial, unidade.
No que não é essencial, liberdade.
Em todas as coisas, caridade.
Sem dúvida a igreja pode ser uma comunidade mais harmoniosa e uma esfera mais feliz se nos esforçarmos por viver com este critério. Não deveríamos brigar por assuntos doutrinais secundários. Muito menos brigar por zelos, por ambição ou por questões de personalidade, como ocorreu na igreja em Corinto e ocorre hoje em muitos lugares. Pergunto-me que aconteceria com as divisões eclesiásticas se pudéssemos pensar sobre isto de
maneira honesta. Muitas das nossas divisões respondem mais a diferenças culturais que teológicas. Outras, mais a temperamentos que a princípios doutrinários. E muitas são causadas por ambições pessoais mais do que por ambição em Cristo.
Examinemos nossas motivações. Tenhamos cuidado, ao pregar e
batizar, de não estimular às pessoas a se sentirem mais leais a nós do que ao Senhor. Isto era o que havia horrorizado Paulo. Substituir o nome de Cristo pelo nosso próprio nome é contradizer o evangelho. O apóstolo culmina o capítulo 1 com um chamado à humildade. Pede que ninguém se jacte em outros seres humanos e muito menos em si mesmo: “O que se gloria, glorie-se no Senhor” (1:31). Esse é o essencial. Que nosso anelo seja estarmos cada vez mais centrados em Jesus Cristo, tanto em nossa doutrina como em nossa vida
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