J ESUS E AS MULHERES
No Evangelho de Marcos, é estabelecido um padrão de relação de gênero igualitário através das cenas envolvendo Jesus e as mulheres, retirando as mulheres de um contexto de doença, opressão e exclusão e dando-lhes caracterização positiva.
Esse modelo de relação de gênero pode ser um paradigma para as relações de gênero de hoje e ajudar no combate a violência contra a mulher muitas vezes legitimada com textos e tradições bíblicos. Para tanto, parte-se de uma compreensão do contexto, estrutura e função do Evangelho de Marcos. Faz-se, então, a análise narratológica, utilizando a categoria de gênero e valendo-se de uma hermenêutica feminista de libertação, das seguintes perícopes: Mc 1,29-31; 3,31-35; 5,21-43; 7,24-30; 12,41-44; 14,3-9; 15,40- 16,8. Estas são as passagens que têm mulheres e Jesus como sujeito histórico narrativo e contêm críticas ao ethos patriarcal.
Podemos usar os resultados das análises para propor novas formas de ser homem e mulher em suas múltiplas relações. Assim, a postagem pretende, por meio de uma reinterpretação dos textos bíblicos, fornecer material que possa ajudar a reconstruir relações de gênero respeitosas, justas e prevenir práticas de discriminação
A Congregação de Israel seria responsável pelas histórias de milagre das tradições pré-marcanas, aparentemente, esses registros são localizados no final de um período de otimismo . E os estágios da Família de Jesus e dos Pilares de Jerusalém, responsáveis por códigos sociais, não podem ser determinados da mesma maneira, mas as lendas sobre o martírio de Tiago e a fuga para Pella mostram que houve resistência a eles em Jerusalém. Antes da guerra, a forte comunidade cristã que se formara em Jerusalém é dispersa para a Galileia e sul da Síria diante do confronto armado. Entre eles havia escribas, inclusive de origem farisaica e não faltavam helenistas. Quando saíram de Jerusalém, colocou-se em contato um cristianismo urbanizado e um cristianismo rural Galileu, esse encontro certamente produziu tensões que permitiram a construção literária . Os conflitos dos grupos cristãos com o judaísmo eram em geral competições naturais iniciadas pelas novidades dos movimentos de Jesus, suas posições contrárias a alguns símbolos judaicos e padrões sociais. Os conflitos mais importantes para a separação dos movimentos de Jesus das instituições judaicas se deram em torno da sinagoga helenística, são dois tipos: a experiência do povo de Jesus e a do Culto de Cristo. Os primeiros tentaram permanecer nas instituições, mas falharam em convencer os judeus e entraram em conflito com os fariseus. Os de Cristo abandonaram as sinagogas, tomando para si conceitos helenizados de Israel18 . Como não havia uma cartilha que guiasse os movimentos de Jesus em sua mista constituição e nem regras sociais definidas, as dinâmicas internas eram vivas, pois não havia homogeneidade na composição social das primeiras comunidades. Os conflitos aumentam conforme elas cresciam, pois passavam a conter pessoas de diversos estamentos e etnias, mas acontecia principalmente em torno da definição dos papéis de liderança em jogos de poder. Dentro dessa dinâmica, é preciso destacar que conflitos nas relações de gênero já se fazem presentes a também se aprofundam de acordo com as definições da organização das comunidades. Nesse sentido de dinâmica de poder, se torna importante para a comunidade e para os que resistem à dominação o resgate das palavras, da crítica e do serviço de Jesus. Os líderes podiam apelar pra uma larga gama de fatores de legitimação: comissionamento, representação, habilidades hermenêuticas, sabedoria, demonstrações de carisma e experiência direta com o Espírito de Deus. Havia então problemas de conflito quando líderes de outros grupos se apresentavam ou mesmo rusgas internas aos grupos na disputa pela liderança. Segundo Mack , esses conflitos geraram séries de retiradas. As tradições de ditos foram domesticadas por sectários fixados ou gnostizadas pelos redatores do Evangelho de Tomé, os pilares fugiram de Jerusalém, a família de Jesus também se retirou para a Transjordânia. Em especial, em meio às tradições cristãs que circulavam durante a década de 60 a 90 d.C., fortes tendências patriarcais começam a se impor no ocidente do Império, isso colabora para despertar as comunidades cristãs mediterrâneas para a necessidade de reunir e organizar as diversas tradições sobre Jesus. Isto pode ter acontecido porque perceberam difundirem-se tradições divergentes e contraditórias. Um exemplo disso eram as recomendações das tradições paulinas de segunda geração sobre a participação de mulheres, escravos e crianças, indicando o silêncio e a subordinação destes à autoridade patriarcal ou ainda uma cristologia abstrata que se distanciava das tradições sobre a práxis de Jesus que eles conservavam . Por causa desta situação complexa, apresentamos uma panorâmica acerca da vida de mulheres nesse período.
O CONTEXTO DAS MULHERES NA PALESTINA DO SÉC. I
Para compreender os textos em que as mulheres são sujeitos histórico-narrativo no Evangelho de Marcos, é necessário então conhecer melhor o funcionamento das dinâmicas sociais nas relações de gênero do cristianismo antigo. Em especial, tal reconstrução, mas não só a de gênero, além de problemas hermenêuticos, enfrenta uma séria falta de fontes, principalmente no que concerne ao período anterior ao ano 70. Há, então, a tendência de que a reconstrução seja feita com base no que sobreviveu como normativo. Uma vez que o judaísmo rabínico e o cristianismo patriarcal foram os sobreviventes entre os diversos movimentos intra-judaicos, é comum enunciá-los como norma geral do judaísmo e cristianismo antes de 70. O que leva ao questionamento de tais aspectos, visto que não havia ainda judaísmo normativo e o movimento de Jesus ainda era situado dentro da matriz judaica . Mesmo diante desses problemas, esta postagem tenta lançar alguma luz sobre a experiência das mulheres na Palestina do primeiro século.
As Mulheres no Mediterrâneo e Palestina
O silêncio dos textos bíblicos com relação à mulher é evidência de sua produção e seleção em ambientes androcêntricos e patriarcais. Eles refletem relações sociais, estruturas de poder e fortes conflitos ideológicos de seus ambientes originários. Em particular, os textos do Segundo Testamento foram criados dentro de uma dinâmica de tensões entre dominação romana, resistência judaica e, dentro disso, dois sistemas patriarcais: judeu e romano. Essas tensões espalhavam-se nos diversos níveis humanos: social, político, religioso, familiar. A dominação romana era um sistema que usava da sua base patriquiriarcal para a ocupação e exploração dos recursos naturais e humanos de forma violenta e escravagista . Em especial para as mulheres, a dominação romana trouxe problemas. Visto que a implantação do sistema político do Império se dava em guerras de conquista marcadas por violências de toda espécie, as mulheres eram as maiores vítimas, elas e as crianças compunham a maior parte do povo dominado. Além da exploração econômica (escravagismo, impostos...), da violência física e simbólica da dominação cultural e política, elas eram submetidas, como os homens, a torturas, crucificações, e também eram alvo das violências de gênero, eram violentadas e exploradas sexualmente . Dentro do sistema imposto pela dominação romana, o povo buscou sobreviver e manter sua cultura, por isso, o patriarcado judeu foi por vezes reforçado, outras vezes ele foi revertido. O cristianismo se origina de um movimento de renovação interno ao judaísmo, também em busca dessa sobrevivência e manutenção de identidade e que, portanto, participa desse patriarcado (RICHTER REIMER, 2005, p. 70-71). Assim, ao olhar os textos bíblicos de uma perspectiva feminista é preciso desvelar esse patriarcado em busca da experiência real das mulheres. As pessoas do mediterrâneo no primeiro século conheciam as outras socialmente, em termos de papéis baseados no gênero, em termos do grupo a que pertenciam, e com preocupação constante com demonstrações públicas de honra, vergonha e respeito. Estes são valores morais recíprocos que expressam primordialmente a integração de um indivíduo em um grupo. Vergonha e honra refletem a forma como a estima pública é conferida sobre uma pessoa e a sensibilidade, com respeito à opinião pública, de que depende essa estima. As sociedades em que os homens vivem em relação imediata são comunidades morais, ali, a opinião pública é que define a reputação pessoal. Por isso, é representativa, nas descrições da sociedade mediterrânea, a relação que esses valores têm com a sexualidade e com as distinções de gênero. De modo geral, a honra é entendida como um valor vinculado aos homens e a vergonha – entendida aqui em um sentido positivo, como cuidado pela própria reputação – como um conceito vinculado às mulheres. Além disso, a honra masculina está relacionada com o esforço para conservar a vergonha das mulheres do grupo. À diferença de outras sociedades, nas quais o controle e trabalho que exercem as mulheres definem seu valor, as regiões mediterrâneas oferecem um elemento distintivo: suas mulheres são valoradas especialmente pela castidade, ou seja, por um recurso imaterial. Há, assim, tendência a proteger as mulheres através de uma divisão sexuada dos espaços da comunidade, espaço masculino e espaço feminino, separando a esfera pública da privada e introduzindo uma série de barreiras físicas, como o véu e outras proibições espaciais baseadas em gênero, assim como pela presença de pessoas cuja tarefa é manter essa separação, como acompanhantes. A divisão espacial é um meio importante para manter os valores de honra e vergonha, pois, não só guarda a pureza sexual, como a demonstra diante da sociedade . A instituição de descendência é tratada como primária e focal no mundo mediterrâneo. Ela mantém a existência social, o que faz o familismo um valor central. A família é o foco principal da lealdade pessoal e tem domínio supremo sobre a vida individual. A razão para a tradicional ênfase na prevenção da transgressão sexual é a importância conferida à descendência, que é comportamento comunicativo primordial na coabitação. O gerenciamento da área sexual é a base de todas as estratégias nos domínios econômicos e políticos. As meninas são ensinadas a acreditar que o ser humano central é o homem, cuja honra é replicada simbolicamente no ato sexual. E que somente uma circunstância externa e social pode prevenir um homem de ter seu caminho com ela. O que os mediterrâneos têm em comum é que a herança passa pela linha masculina e os homens representam a família ao exterior, enquanto espera-se que as mulheres a mantenham internamente. A família mediterrânea é patrilinear e enraizada numa forte divisão de trabalho. . Nas sociedades mediterrâneas, os papéis de pais e mães, assim como os maridos e esposas que atuam neles, raramente se tocam. As mulheres da sociedade Greco-romana estavam associadas, tanto em nível simbólico como prático, com o domínio privado da casa. Por isso, a preocupação imediata com as normas de conduta dentro de casa e com os modelos de comportamento das mulheres no lar. Tudo que mantém a família internamente, sob os olhos da mãe é geralmente feminino: cozinha, relações do lado da mãe, cabras e outros animais domésticos, galinhas, filhas não casadas, noras residentes, meninos até a idade de ficarem com o pai. Os homens, ao contrário estão associados a esfera pública, que englobam comércio, política, praças de mercado, cafés, campos, lugares de reunião etc O que se relaciona à família e é vindo de fora é controlado pelo pai e é masculino: herança, terras ao redor, relações do lado do pai, animais de fazenda e implementos, filhos adultos . A organização social do mundo mediterrâneo antigo não dá lugar à escolha: uma mulher não escolhe o celibato, não escolhe o casamento e nem sempre escolhe o recasamento depois de viúva. Não escolhiam também a idade em que se casavam. Nem o seu nome aparecia sempre nos contratos de casamento fixados entre pai e marido . Para descrever a situação da mulher palestina, precisa-se entender que as várias etapas da formação da sociedade têm um papel nessa construção. Em especial, é a sedentarização que faz desaparecer um tipo de civilização agrária na qual a mulher gozava de certa liberdade e o homem vai assumindo mais e mais instrumentos de poder social, o que torna a situação da mulher ainda pior, isso aconteceu também com o povo judeu. De modo geral, a mulher em Israel era considerada inferior ao homem, a ponto de não ser contada como pessoa seja legalmente, socialmente ou religiosamente, a não ser na sua função de mãe e ou ajudante do homem. Mesmo assim, ao longo da história de Israel sobressaem-se mulheres líderes, inclusive politicamente, que agiram em benefício da comunidade.
A literatura rabínica mostra essa ideologia da mulher como inferior e desprezível.
Na diáspora, algumas comunidades começaram a dar às mulheres mais liberdade social e religiosa, há provas que algumas se tornaram líderes de sinagogas e que pediram e conseguiram divórcio dos seus mari. Mas, isso não aconteceu de forma abrangente, aparentemente, as mulheres judias que viviam nas cidades helenísticas cosmopolitas na Itália, Grécia,
Egito e Ásia Menor foram pouco influenciadas pelo modo de vida das romanas. Seu papel era distinto e decisivo para a vida dos judeus, mas limitado à esfera da vida privada: conservar a tradição e se submeter às regulações e restrições que serviam para manter a família unida e capaz de resistir às pressões externas da sociedade helenística e, assim, manter a identidade judaica enquanto os homens mantinham
relações comerciais e legais com essa sociedade. Portanto, elas eram muito confinadas devido à importância da vida familiar no contexto da cultura e religião judaicas. Pode-se dizer que eram duplamente confinadas por causa do isolamento ainda maior causado pelas leis rituais com relação à menstruação e gravidez.
Legalmente, estavam sob domínio de seus maridos e não tinham essencialmente papel algum em relação à vida pública da comunidade religiosa . Alexandre expressa sucintamente este contexto: