quarta-feira, 18 de outubro de 2017

PATERNIDADE II

I.) Proposições sobre a doutrina da Trindade

a. Há no Ser Divino apenas uma essência indivisível (ousia, essentia). Deus é um em Seu ser essencial, ou seja, em Sua natureza constitucional. Essência vem de esse, ser. Esta proposição concernente à unidade de Deus baseia-se em passagens como Dt 6.4; Tg 2.19, sobre a existência autônoma e a imutabilidade de Deus.

b. Neste único Ser Divino há três Pessoas ou subsistências individuais, o Pai e o Fi¬lho e o Espírito Santo. A variedade dos termos empregados mostra que sempre se sentiu que são inadequados. Na linguagem comum, a palavra “pessoa” designa um indivíduo racional e moral separado, dotado de consciência própria, e consciente da sua identidade em meio a todas as mudanças. Onde temos uma pessoa, temos também uma essência individual distinta. Toda pessoa é um indivíduo distinto e separado, em quem a natureza é individualizada. Mas em Deus não há três indivíduos justapostos e separados uns dos outros, mas somente auto-distinções pessoais dentro da essência divina, que é numericamente, uma só. Muitos preferiram falar de três diferentes modos, não de manifestação, como ensinava Sabélio, mas de existência ou de subsistência.
Diz Calvino: “Então, com pessoa, quero dizer uma subsistência na essência divina – uma subsistência que, conquanto relacionada com as outras duas, distingue-se delas por suas propriedades incomunicáveis”. As auto-distinções do Ser Divino implicam um “Eu” e “Tu” no Ser de Deus, que assumem relações pessoais uns para com os outros. Ver Mt 3.16; 4.1; Jo 1.18; 3.16; 5.20-22; 14.26; 15.26; 16.13-15.

c. Toda a indivisa essência de Deus pertence igualmente a cada uma das três pessoas. A essência não é dividida entre as três pessoas, mas está em cada uma das pessoas, de modo que têm unidade numérica de essência. A natureza divina distingue-se da natureza humana em que pode subsistir total e indivisivelmente em mais de uma pessoa. Três pessoas humanas têm apenas unidade de natureza ou essência, isto é, participam da mesma espécie de natureza ou essência, as pessoas da Divindade têm unidade numérica de essência, isto é, possuem a mesma essência, essência idêntica. A natureza ou essência humana pode ser considerada como uma espécie, da qual cada homem tem uma parcela individual. A natureza divina é indivisível e, portanto, idêntica, nas pessoas da Divindade. É numericamente uma e a mesma, pelo que a unidade da essência das pessoas é uma unidade numérica. A essência divina não é uma existência independente justaposta paralelamente às três pessoas. Ela não tem existência à parte e fora das três pessoas. Se tivesse, não haveria verdadeira unidade, mas uma divisão que levaria ao tetrateísmo. A distinção pessoal é una, dentro da essência divina. Esta tem três modos de subsistência. Não pode haver subordinação de uma pessoa a outra da Divindade quanto ao ser essencial, e, portanto, nenhuma diferença na dignidade pessoal. A única subordinação de que podemos falar é uma subordinação quanto à ordem e ao relacionamento. É especialmente quando refletimos na relação das três pessoas da essência divina, que todas as analogias nos falham e ficamos profundamente conscientes de que a Trindade é um mistério que ultrapassa a nossa possibilidade de compreensão. E a incompreensível glória da Divindade. Assim como a natureza humana é tão rica, em sua amplíssima plenitude, que não pode ser incorporada, toda ela, num só indivíduo, e só obtém adequada expressão na humanidade como um todo, também o Ser Divino só se revela em Sua plenitude em Sua tríplice subsistência de Pai e Filho e Espírito Santo.

d. A subsistência e as operações das três pessoas do Ser Divino são assinaladas por certa ordem definida. Há uma certa ordem na Trindade. Quanto à subsistência pessoal o Pai é a primeira pessoa, o Filho é a segunda, e o Espírito Santo é a terceira. Esta ordem não pertence a nenhuma prioridade de tempo ou de dignidade essencial, mas somente à ordem de derivação lógica. O Pai não é gerado por nenhuma das outras duas pessoas, nem delas procede; o Filho é eternamente gerado pelo Pai, e o Espírito procede do Pai e do Filho desde toda a eternidade. A geração e a processão ocorrem dentro do Ser Divino, e implicam certa subordinação quanto ao modo da subsistência pessoal, não porém subordinação no que se refere à posse da essência divina. Nada mais natural que a ordem existente na Trindade essencial se reflita nas opera ad extra (obras externas ao ser essencial) que se atribuem mais particularmente a cada uma das pessoas. A Escritura indica claramente esta ordem para expressar a ideia de que todas as coisas provêm do Pai, mediante o Filho, e no Espírito Santo.

e. Há certos atributos pessoais pelos quais se distinguem as três pessoas. Chamam- se opera ad intra, porque são obras realizadas no interior do Ser Divino. São operações pessoais, não realizadas pelas três pessoas juntas, e são incomunicáveis. A geração é um ato exclusivo do Pai; a filiação pertence exclusiva¬mente ao Filho; e a processão só pode ser atribuída ao Espírito Santo. Se distinguem das opera ad extra, que são as atividades e efeitos pelos quais a Trindade se manifesta exteriormente. Nunca estas obras se devem exclusivamente a uma das pessoas, mas sempre são obras do Ser Divino completo. Algumas das obras ad extra são atribuídas mais particularmente a uma pessoa, algumas mais especialmente a outra, e assim com cada uma das três pessoas divinas. Conquanto sejam obras das três pessoas conjuntamente, atribui-se a criação primariamente ao Pai, a redenção ao Filho e a santificação ao Espírito Santo. Esta ordem das operações divinas indica a ordem essencial de Deus e for¬ma a base daquilo que geralmente se conhece como Trindade econômica.


f. A igreja confessa que a Trindade é um mistério que transcende a compreensão do homem. A Trindade é um mistério; se trata de uma verdade anteriormente oculta e depois revelada; o homem não pode compreendê-la e não pode tomá-la inteligível. E inteligível em algumas de suas relações e de seus modos de manifestação, mas é ininteligível em sua natureza essencial. Esforços feitos para explicar o mistério redundaram no desenvolvimento de conceitos triteístas ou modalistas de Deus, na negação ou da unidade da essência divina ou da realidade das distinções pessoais dentro da essência. A real dificuldade está na relação em que as pessoas da Divindade estão com a essência divina e uma com as outras; e esta é uma dificuldade que a igreja não é capaz de remover, podendo apenas tentar reduzi-la mediante uma apropriada definição de termos. Ela jamais tentou explicar o mistério da Trindade, mas procurou somente formular a doutrina de modo que fossem evitados os erros que a ameaçam.
Cristologia (Parte 3) - A Humanidade de CristoII.) A subsistência pessoal do Filho
Os modalistas negam as distinções pessoais da Divindade. Pode-se consubstanciar a doutrina da personalidade do Filho como segue:
(1) O modo pelo qual a Bíblia fala do Pai e do Filho um ao lado do outro implica que um é tão pessoal como o outro, e também indica a existência de uma relação pessoal entre ambos.
(2) O emprego dos apelativos “unigênito” e “primogênito” implica que a relação entre o Pai e o Filho pode ser retratada aproximadamente como uma relação de geração e nascimento. O designativo “primogênito” encontra-se em Cl 1.15; Hb 1.6, e acentua o fato da geração eterna do Filho. Significa que Ele já existia antes da criação.
(3) O termo “Logos” é aplicado ao Filho para indicar a Sua profunda relação com o Pai, relação como a que existe entre uma palavra e o orador que a profere. Diferentemente da filosofia, a Bíblia apresenta o Logos como pessoal e o identifica com o Filho de Deus, Jo 1.1-14; 1 Jo 1.1-3. (4) A descrição do Filho como a imagem ou mesmo como a expressa imagem de Deus em 2 Co 4.4; Cl 1.15; Hb 1.3.
III.) A geração eterna do Filho

Ele é eternamente gerado do Pai (“filiação”) e toma parte com o Pai na espiração do Espírito. A doutrina da geração do Filho é sugerida pela representação bíblica da primeira e da segunda pessoas da Trindade como estando na relação do Pai e o Filho um com o outro. Não somente os nomes “Pai” e “Filho” sugerem a geração deste por aquele, mas também o Filho é repetidamente chamado “o Unigênito”, Jo 1.14,18; 3.16,18; 1 Jo 4.9.

Várias particularidades:
(1) É um ato necessário de Deus. A geração do Filho deve ser considerada como um ato necessário e perfeitamente natural de Deus. Não significa que este ato não esteja relacionado com a vontade do Pai. É um ato da vontade necessária do Pai; a Sua vontade concomitante agrada-se perfeitamente com ele.
(2) É um ato eterno do Pai. A geração do Filho naturalmente participa do Pai na eternidade. Não significa que seja um ato que se realizou completamente no passado distante, mas, antes, que é um ato atemporal, o ato de um eterno presente, um ato que se realiza continuadamente e, todavia, sempre de maneira completa. Sua eternidade segue-se não somente da eternidade de Deus, mas também da imutabilidade divina e da verdadeira divindade do Filho. Acresce que também se pode inferir das passagens bíblicas que ensinam ou a preexistência do Filho ou a Sua igualdade com o Pai, Mq 5.2; Jo 1, 14, 18; 3.16; 5.17, 18, 30, 36; At 13.33; Jo 17.5; Cl 1.16; Hb 1.3.
(3) É geração da subsistência pessoal, e não da essência divina do Filho. Alguns falam como se o Pai gerasse a essência do Filho, mas isto equivale a dizer que Ele gerou a Sua própria essência, pois a essência do Pai e do Filho é exatamente a mesma. É melhor dizer que o Pai gera a subsistência pessoal do Filho e Lhe comunica a essência divina em sua inteireza. Devemos evitar a ideia de que o Pai gerou primeiramente a segunda pessoa e depois comunicou a essência divina a esta pessoa; isto levaria à conclusão de que o Filho não foi gerado da essência divina, mas foi criado do nada. Na obra de geração houve comunicação da essência; foi um ato indivisível. Em virtude desta comunicação, o Filho também tem vida em Si mesmo, Jo 5.26.
(4) É geração que deve ser entendida como espiritual e divina. Não se deve entender esta geração de maneira física ou que lembre o processo de geração das criaturas, mas deve ser entendida como espiritual e divina, excluindo toda ideia de divisão ou mudança. Notável analogia acha-se no pensamento e na alocução do homem, e a própria Bíblia parece indicar isto, quando fala do Filho como o Logos. (5) Definição da geração do Filho: É o ato eterno e necessário da primeira pessoa da Trindade, pelo qual Ele, dentro do Ser Divino, é a base de uma segunda subsistência pessoal, semelhante à Sua própria, e dá a esta segunda pessoa posse da essência divina completa, sem nenhuma divisão, alienação ou mudança.

É agora minha convicção de que a geração da qual se fala em Salmos 2 e Hebreus 1 não é um evento que aconteceu no tempo. Mesmo que à primeira vista a Escritura pareça empregar terminologia com insinuações temporais (“hoje te gerei”), o contexto do Salmo 2:7 parece se referir claramente ao decreto eterno de Deus. É razoável concluir que a geração da qual se fala ali também é algo que pertence à eternidade, e não a um ponto no tempo. A linguagem temporal deveria ser entendida, portanto, como figurativa, não literal.
A maioria dos teólogos reconhece isso, e quando tratando com a filiação de Cristo, eles empregam o termo “geração eterna”. Eu não gosto da expressão. Nas palavras de Spurgeon, ela é um “termo que não nos transmite nenhum grande significado; ela simplesmente encobre nossa ignorância”. E, todavia, o conceito em si – estou agora convencido – é bíblico. A Escritura se refere a Cristo como o “unigênito do Pai” (João 1:14; cf. v. 18; 3:16, 18; Hebreus 11:17). A palavra grega traduzida como “unigênito” é monogenes. A ênfase do seu significado tem a ver com a unicidade absoluta de Cristo. Literalmente, ela pode ser traduzida como “um de um tipo” – e, todavia, ela claramente significa que ele é da mesmíssima essência que o Pai. Esse, creio, é o próprio cerne do que se quer dizer pela expressão “unigênito”.
Dizer que Cristo é “gerado” é em si mesmo um conceito difícil. Dentro do reino da criação, o termo “gerado” fala da origem da descendência de alguém. O gerar de um filho detona sua concepção – o ponto em que ele veio à existência. Assim, alguns assumem que “unigênito” refere-se à concepção do Jesus humano no ventre da virgem Maria. Todavia, Mateus 1:20 atribui a concepção do Cristo encarnado ao Espírito Santo, não a Deus o Pai. O gerar ao qual o Salmo 2 e João 1:14 se referem parece claramente ser algo mais do que a concepção da humanidade de Cristo no ventre de Maria.
E, de fato, há outro significado, mais vital, para a ideia de “gerar” do que meramente a origem da descendência de alguém. No desígnio de Deus, cada criatura gera sua descendência “segundo sua espécie” (Gênesis 1:11-12; 21-25). A descendência carrega a semelhança exata do pai. O fato de que um filho é gerado pelo pai garante que o filho compartilha a mesma essência do pai.
Eu creio que esse é o sentido que a Escritura deseja transmitir quando ela fala da geração de Cristo pelo Pai. Cristo não é um ser criado (João 1:1-3). Ele não teve princípio, mas é tão eterno quanto o próprio Deus. Portanto, o “gerar” mencionado em Salmo 2 e suas referências cruzadas não tem nada a ver com sua [de Cristo] origem .
Mas ele tem a ver com o fato de que ele é da mesma essência que o Pai. Expressões como “geração eterna”, “Filho unigênito”, e outras pertencentes à filiação de Cristo, devem todas ser entendidas nesse sentido: a Escritura as emprega para enfatizar a absoluta unicidade da essência entre Pai e Filho. Em outras palavras, tais expressões não pretendem evocar a ideia de procriação; elas pretendem transmitir a verdade sobre a unicidade essencial compartilhada pelos Membros da Trindade.
[…] relacionamentos humanos de pai-filho são meramente figuras terrenas de uma realidade celestial infinitamente maior. O relacionamento arquétipo verdadeiro Pai-Filho existe eternamente dentro da Trindade. Todos os outros são meramente réplicas terrenas, imperfeitas porque elas são limitadas pela nossa finitude, todavia, ilustrando uma realidade eterna vital.
Se a filiação de Cristo é toda sobre sua deidade, alguém se perguntaria por que isso se aplica somente ao Segundo Membro da Trindade, e não ao Terceiro. Afinal de contas, não nos referimos ao Espírito Santo como Filho de Deus, nos referimos? Todavia, ele também não é da mesma essência que o Pai?
Certamente ele é. A essência plena, não diluída e não dividida de Deus pertence igualmente ao Pai, Filho e Espírito Santo. Deus é apenas uma essência; todavia, ele existe em três Pessoas. As três Pessoas são co-iguais, mas elas ainda são Pessoas distintas. E as características principais que distinguem entre as Pessoas estão implicadas nas propriedades sugeridas pelos nomes Pai, Filho e Espírito Santo. Os teólogos têm chamado essas propriedades de paternidade, filiação e processão. Que tais distinções são vitais para o nosso entendimento da Trindade é claro a partir da Escritura. Como explicá-las completamente permanece de certa forma um mistério.
De fato, muitos aspectos dessas verdades podem permanecer inescrutáveis para sempre, mas esse entendimento básico das relações eternas dentro da Trindade, contudo, representa o melhor consenso do entendimento cristão durante muitos séculos da história da Igreja. Eu, portanto, afirmo a doutrina da filiação eterna de Cristo, enquanto reconhecendo-a como um mistério no qual não deveríamos esperar sondar muito profundamente.

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